5 de julho de 2025

Análises

BRICS em 2025

Uma revolução tecnológica global está em andamento, com a China no comando. Os líderes chineses chamam isso de mobilização de “novas forças produtivas”, referindo-se a “grandes mudanças jamais vistas em um século”. Num Ocidente cada vez mais paralisado, cada avanço que ganha as manchetes é interpretado como um novo “momento Sputnik”, dando origem a mais ansiedades e pressões por uma respostas políticas ambiciosas. Foram os casos do DeepSeek—um modelo de linguagem aberta fenomenalmente eficiente que sugou trilhões da bolha de IA de Wall Street—e da sonda chinesa que trouxe de volta à Terra as primeiras amostras do lado oculto da Lua, acelerando, no processo, a corrida espacial por satélites militarizados, com implicações significativas para os EUA no Indo-Pacífico.

Há também o fenômeno Build Your Dreams, ainda em andamento. A BYD, fabricante líder de veículos elétricos da China, deu um salto para fora do mercado doméstico em uma impressionante expansão internacional, ameaçando o futuro de coalizões políticas europeias que cresceram em torno de motores de combustão interna e provocando novas ondas de ansiedade entre formuladores de políticas e capitães da indústria ocidentais. Espera-se que o dramático aumento do investimento da China nos “três novatos”—veículos elétricos, baterias e energia solar—reduza a demanda por petróleo em 5 milhões de barris por dia até 2030. Essa tecnologia verde mais barata está agora permitindo que mais de cem países se libertem dos caros hidrocarbonetos importados e alcancem o paraíso da autossuficiência elétrica.

O domínio tecnológico da China está ancorado em investimentos de longo prazo em capital humano, que produziram quadros qualificados de engenheiros e empresas tecnoindustriais dinâmicas e interligadas, apoiadas por uma política industrial forte e por finanças públicas tolerantes ao risco (Fonte: RMI; Kyle Chan).

O pacote de automação, digitalização e eletrificação da China oferece às empresas e nações não apenas redução de carbono, mas também—de forma mais convincente—produtividade, eficiência e soberania energética. A base material dos sistemas globais de produção, consumo e informação está sendo reformulada. Não é preciso ser marxista para pensar que isso implicará uma transformação radical na política global.

De onde virá o próximo momento Sputnik? Especialistas listam fábricas automatizadas, biotecnologia e biomedicina, pequenos reatores nucleares modulares, drones, baterias de íons de sódio e chips de processamento de IA.

Essa predominância chinesa em tecnologia está causando o que Adam Tooze chamou de “segundo choque chinês”. Se o primeiro foi quando a China foi incorporada às cadeias de abastecimento do Ocidente e do Leste Asiático, o segundo percorre o caminho oposto: o Ocidente, particularmente na Europa e em torno dos veículos elétricos, está buscando ser incorporado às cadeias chinesas. Pela primeira vez em dois séculos, o Ocidente não é mais o líder em tecnologia do futuro. É nesse contexto que antigos aliados dos Estados Unidos na Europa e no Leste Asiático começam a se afastar de um governo estadunidense agressivo, que está ficando para trás em tecnologias de ponta.

Esses desenvolvimentos estão remodelando a ordem global e as relações multilaterais e bilaterais que a sustentam. A cúpula dos BRICS reuniu todas as tensões do momento. Nos últimos dois anos, o número de membros originais dos BRICS dobrou com a inclusão de cinco novos países: Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia, Indonésia e Irã. Sob a presidência do Brasil, a cúpula deste ano teve como foco a industrialização verde, o financiamento climático e a governança sustentável. Ao contrário da missão fundadora dos BRICS—que buscava confrontar as instituições dominadas pelo Ocidente—o bloco hoje reflete, em parte, a ambição de seus membros de se blindar estrategicamente contra os EUA, encarnando uma nova visão de soberania tecnológica, majoritariamente movida a energia limpa.

Enquanto o Ocidente vê os BRICS como um bloco antiocidental que busca quixotescamente se desdolarizar, o grupo agora está menos unido pela repulsa a uma velha ordem do que pela atração pela reconstrução da base material de um novo modelo de soberania em uma nova era de globalização.

Retórica e reforma

Em 2001, no auge da globalização financeira liderada pelos EUA, Jim O’Neill, do Goldman Sachs, cunhou uma sigla cativante—BRIC—para uma tese de investimento em mercados emergentes de Wall Street. Brasil, Rússia, Índia e China (a África do Sul só se juntaria em 2010) foram identificados como economias em rápido crescimento, tanto em termos de produtividade quanto em termos de valorização cambial. Combinando dados específicos de cada país sobre população, infraestrutura e investimento, O’Neill sugeriu que o PIB da Índia ultrapassaria o do Japão até 2032 e que a China seria a maior economia do mundo até 2041. Esses desenvolvimentos, especularam os analistas do Goldman, teriam ramificações para as carteiras de investimento globais e forçariam uma mudança na posição dominante do Ocidente.

O fórum dos BRIC foi formalmente estabelecido na Rússia em 2009. Em parte, tinha como objetivo elaborar uma resposta à crise de 2008 que permitisse aos seus quatro Estados-membros se proteger das ondas de choque provocadas pela crise financeira. Além disso, os membros tinham o objetivo comum de reformar a governança global, redistribuir os direitos de voto no FMI e no Banco Mundial, melhorar o comércio Sul-Sul e expandir pagamentos em moedas locais.

Em 2014, os BRICS—agora com a África do Sul—lançaram instituições próprias que espelhavam aquelas criadas em Bretton Woods. O Novo Banco de Desenvolvimento deveria fornecer financiamento para o desenvolvimento à semelhança do Banco Mundial e o Acordo de Reserva Contingente deveria fornecer liquidez sem as onerosas condições impostas pelo FMI. No entanto, essas novas instituições permaneceram limitadas em escopo e escala na medida em que foram restringidas por diferenças estratégicas entre os membros dos BRICS, havendo pouco com que o Ocidente se sentisse ameaçado. A carteira de empréstimos do Novo Banco de Desenvolvimento é pequena em relação ao seu capital integralizado e o Acordo de Reserva Contingente depende das decisões do FMI para grande parte do financiamento que oferece.

Mas, após 2020, quando os EUA e a União Europeia se uniram em torno da agenda de Biden de confronto com a China e a Rússia, o tom mudou. Em 2022, potências ocidentais impuseram conjuntamente sanções financeiras à Rússia após a invasão da Ucrânia e se alinharam no bloqueio de tecnologia avançada à China. Embora a Europa tenha recusado o agressivo “desacoplamento” dos EUA da China e optado, em vez disso, por uma “redução gradual do risco”, ambos os lados do Atlântico ficaram unidos na suposição de que os BRICS eram uma coligação antiocidental.

Como resultado da guerra, os próprios BRICS ficaram necessariamente mais focados na geopolítica do que na governança global, passando a adotar uma estratégia de não alinhamento em matéria de comércio e investimentos. Significativamente, a Rússia colocou a desdolarização na agenda do bloco para 2023-2024. Mas a dependência do dólar para o bloco como um todo era difícil de escapar. Em 2022, o banco de desenvolvimento do BRICS deixou de fazer negócios na Rússia porque nenhum dos outros membros queria perder o acesso aos bancos de financiamento em dólares.

Diversificar, desdolarizar, descarbonizar

Com a reeleição de Trump, a unidade de propósitos compartilhada pela UE e pelos EUA começou a rachar. Líderes centristas da UE agora declaram que os EUA são “inimigos do projeto europeu”, e muitos países da Europa estão perseguindo objetivos semelhantes aos de algumas nações do Sul. O objetivo é reduzir a exposição aos EUA e até mesmo criar um novo conjunto de instituições para reforçar a soberania e contrabalançar a desestabilização das guerras comerciais, dos acordos de segurança rompidos e de um sistema monetário baseado no dólar cada vez mais instrumentalizado. Com o Atlântico Norte sob pressão, o interesse pelos BRICS é crescente. Além disso, a legitimidade ocidental jaz enterrada nos escombros de Gaza.

Os novos e potenciais membros do clube têm motivações diversas, conforme relatado pelo think tank Carnegie Endowment. Para o Egito, que há anos sofre com a escassez de dólares e os programas do FMI, transações em moedas locais são atraentes. Para a Indonésia, a diversificação do comércio e das relações diplomáticas é uma demonstração de sua política de não alinhamento de longa data. A Nigéria, por sua vez, busca laços econômicos com países maiores e um papel regional mais importante no continente africano. Para os Emirados Árabes Unidos, o bloco é uma forma de ampliar sua influência regional. A Arábia Saudita (que foi convidada a aderir ao bloco, mas ainda não aceitou formalmente) tem uma visão semelhante. De acordo com Layla Ali, do Gulf Research Center, ambos os países “veem a cúpula dos BRICS como uma plataforma estratégica para expandir seus laços diplomáticos e econômicos em escala global”.

Cooperação industrial verde

Agora, há uma disputa dramática em curso dentro dos próprios BRICS. Os membros ricos em petróleo e gás estão enfrentando um desafio crescente a seus modelos de crescimento devido à virada das economias dos BRICS em direção a uma política industrial mais verde. Os países dos BRICS que historicamente importavam grandes quantidades de petróleo e gás da Rússia ou do Irã hoje se deparam com o rápido crescimento das energias renováveis: esse é o caso da China, mas também do Brasil, da Índia e da África do Sul. O resultado é que os combustíveis fósseis agora representam menos da metade da geração total de eletricidade do bloco.

Isso não impediu a Rússia e o Irã de continuarem explorando petróleo e gás. A exportação chinesa de tecnologias limpas de geração de energia e eletrificação, bem como seus arranjos financiros verdes, vem até agora conquistando adeptos, mas o resultado final ainda está para ser visto. Essa disputa implícita pela matriz energética dominante e pela economia política construída em torno dela decidirá não apenas os arranjos de poder geopolítico entre os países dos BRICS nas próximas décadas, mas também o destino da maioria dos povos do mundo. Em um esforço para vencer essa disputa, a China está construindo uma hegemonia que não se limita à exportação de produtos verdes, mas reflete uma verdadeira mudança estrutural, com exportação de tecnologia, engenharia, cadeias de suprimentos e financiamento.

Dois relatórios recentes de analistas—incluindo Tim—da Clean Energy Finance e do Net Zero Industrial Policy Lab apresentam exemplos de cooperação industrial verde entre a China e grandes países em desenvolvimento, enquanto países menores continuam a servir principalmente como mercados de exportação. A Clean Energy Finance estima que, desde o início de 2023, em um “tsunami de energia limpa”, empresas chinesas investiram mais de US$ 100 bilhões no exterior em 130 tecnologias.

A cooperação industrial bilateral verde entre os membros dos BRICS sugere que novos padrões de desenvolvimento econômico podem aproveitar de duas vantagens. Primeiro, os países do bloco agora possuem muitas das principais tecnologias verdes; segundo, têm mercados domésticos em rápido crescimento, proporcionando escala e lucros para o crescimento industrial.

Brasil e China

Sob a presidência de Lula, o Brasil está dando passos muito mais firmes em direção a Pequim. Lula convenceu diretamente a chinesa BYD a investir em uma fábrica na Bahia, que será seu primeiro centro de produção de veículos elétricos fora da Ásia—com projeção para produzir 150 mil veículos por ano. Sem dúvida, o tamanho do Brasil deu a Lula poder de negociação para trocar tecnologia por acesso ao mercado. Impulsionada pela política Nova Indústria Brasil, a Bahia é um excelente exemplo da transição energética global em ação. Duas gigantes americanas da indústria do século XX—Ford e GE—venderam suas fábricas em Camaçari para a BYD e a Gold Wind, respectivamente, que são as maiores fabricantes mundiais de veículos elétricos e turbinas eólicas. Para garantir a criação de valor agregado e know-how local para as empresas nacionais, o governo da Bahia negociou com a BYD um centro de Pesquisa e Desenvolvimento e metas de nacionalização. O primeiro carro “fabricado no Brasil” da BYD saiu da linha de montagem na primeira semana de julho, bem a tempo para a cúpula dos BRICS.

China e Emirados Árabes Unidos

A China e os Emirados Árabes Unidos estão cooperando em veículos elétricos, energia solar e metais de transição. O poder de barganha dos Emirados Árabes Unidos aumentou—conquistando cláusulas de localização da produção e transferências de propriedade intelectual—à medida que as empresas chinesas ficaram cada vez mais sujeitas a tarifas nos mercados ocidentais. Empresas chinesas de energia solar, como a LONGi, estão desenvolvendo conhecimento e capacitação locais, como ilustra a academia de energia solar em Dubai, enquanto processam metais provenientes da gigante mineradora de ferro Vale, do Brasil, em centros de fabricação de aço verde no reino do Golfo.

Índia e Brasil

Nem toda colaboração intra-BRICS envolve a China. Brasil e Índia, ambos com fortes coalizões de agricultores em seus parlamentos, têm se concentrado na cooperação em biocombustíveis sustentáveis. Eles planejam liderar uma aliança global de biocombustíveis, a fim de combinar recursos, conhecimentos e tecnologia para, eventualmente, triplicar a produção conjunta de biocombustíveis para aviões, automóveis e navios. A união combina a expertise tecnológica do Brasil, que tem patentes e posição industrial consolidadas há décadas no setor de biocombustíveis, com a crescente demanda por biocombustíveis da Índia (atualmente o terceiro maior consumidor mundial de etanol) e a rápida expansão de sua aviação comercial.

Sem volta

Uma crítica comum às iniciativas multilaterais dos BRICS é que falta eficácia: o NDB e o CRA não são grandes o suficiente para cumprir sua função, o “BRICS Pay” é uma fantasia e os esforços coordenados de reforma dentro dos sistemas de votação de Bretton Woods se mostraram infrutíferos.

No entanto, cada país está buscando estratégias para a desdolarização e descarbonização energética e industrial. Os BRICS têm como objetivo inerente compreender e moldar uma ordem mundial pós-estadunidense, e agora há muitas outras nações interessadas nesse projeto. Larry Summers definiu isso perfeitamente em 2023: “Há uma aceitação crescente da fragmentação e, o que talvez seja ainda mais preocupante, acho que há uma sensação crescente de que a nossa pode não ser a melhor fragmentação com a qual se associar”.

O progresso relativo dos cinco países do BRICS na desdolarização e na descarbonização energética e produtiva. A China fez progressos significativos no comércio não denominado em dólares e na fixação de preços das matérias-primas, mas combater a centralidade do dólar continua sendo mais difícil do que avançar na manufatura verde e na produção de energia (Adaptado de “Can the BRICS de-dollarize the global financial system?” [Podem os BRICS desdolarizar o sistema financeiro global?], Zongyuan Zoe Liu e Mihaela Papa, 2022).

Uma questão que movimenta muitos é: quem controlará as indústrias verdes e suas cadeias de valor? Uma recente entrevista com o presidente da empresa de metais e mineração Vale foi reveladora: “Somos uma empresa brasileira sediada no Canadá, com joint ventures na Indonésia com chineses e sauditas, que detêm 10% do nosso capital. Bem-vindos à próxima fase da complexidade política do mundo em que vivemos.” É possível que as parcerias bilaterais e os avanços chineses levem a uma mudança sistêmica, a uma transformação na própria ordem mundial?

A ordem geopolítica do pós-guerra sustentava-se em três pilares: a hegemonia estadunidense, o sistema energético baseado em combustíveis fósseis e um sistema comercial aberto e multilateral. Agora, os Estados Unidos estão atacando cada um dos pilares que sustentam sua liderança na ordem global baseada em hidrocarbonetos.

Hoje, existem dois modelos globais de energia e influência concorrentes: um baseado em combustíveis fósseis, outro em tecnologias verdes e em um novo paradigma de desenvolvimento sustentável. A tecnologia chinesa está encontrando novos mercados em todo o mundo porque muitas pessoas a querem. Mas, até agora, não há um apoio real e abrangente em termos financeiros, comerciais e de transferência de tecnologia, uma vez que ainda não foi construída uma nova ordem internacional de governança sustentável. A questão crítica do futuro dos BRICS reside na vontade e capacidade de seus membros de efetivar uma colaboração mais ampla nos domínios da tecnologia, do comércio e das finanças. Com um quarto do caminho para o século XXII percorrido, tudo está em aberto.

Tradução: Hugo Fanton

The Polycrisis é uma publicação com foco em macroeconomia, segurança energética e geopolítica.

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