Desde que o presidente dos EUA, Joe Biden, sancionou a Lei de Redução da Inflação [Inflation Reduction Act—IRA] em agosto de 2022, as indústrias mexicanas de autopeças e montagem de automóveis vêm crescendo. A Tesla e a montadora estatal chinesa Jetour anunciaram a construção de novas fábricas de veículos elétricos (VEs) e carros a gasolina, estimulando investimentos na cadeia de suprimentos. O AGP Group, fornecedor de vidro da Tesla, planeja abrir uma fábrica junto à da empresa automotiva em Santa Catarina, Nuevo León. Em agosto de 2023, a Metalsa, fabricante de chassis para a Toyota, abriu sua segunda fábrica em Guanajuato. Tatiana Clouthier, ex-secretária de Economia do México, declarou em tom de aprovação que o IRA “não discrimina o setor automotivo [do México]”, ecoando o otimismo generalizado que enxerga o IRA como um maciço investimento no setor automotivo mexicano que criará empregos.1
A lei dos EUA, ao vincular fortemente o setor de fabricação de automóveis ao de mineração e à estratégia climática, tem grandes implicações socioeconômicas e políticas para além das fronteiras do país. Os veículos elétricos, a economia digital e a transição energética exigem níquel, cobre, cobalto e, mais importante, lítio—todos agora listados como “minerais críticos” pelos governos do México, Canadá e EUA. A recepção do IRA no México contrasta fortemente com as críticas dos países europeus, cujas montadoras são amplamente excluídas dos créditos fiscais para veículos elétricos que exigem que componentes minerais e/ou de baterias sejam obtidos e processados nos EUA ou em países com quem os estadunidenses mantêm acordos comerciais, como é o caso do México.
O IRA chegou três anos após a assinatura do Acordo Estados Unidos-México-Canadá [United States-Mexico-Canada Agreement—USMCA], juntando-se a um conjunto de políticas que transformaram o antigo setor automotivo do México em um polo de fabricação de carros elétricos. A condição para acessar o Crédito para Veículos Limpos do IRA é que a montagem final de determinado automóvel tenha ocorrido na América do Norte, definida nesse contexto como Estados Unidos, Porto Rico, Canadá e México. A exigência de “conteúdo de valor regional” para os produtores que buscam vender no novo mercado consumidor subsidiado por impostos dos EUA reforça as “regras de origem” do USMCA, que definem os padrões necessários para que uma mercadoria acesse as isenções tarifárias previstas no acordo.
Os incentivos financeiros para que os empregadores reorganizem geograficamente a produção também prometem incrementar o poder de barganha da força de trabalho mexicana para negociar maiores salários, benefícios e participação na vida econômica de seu país. Dois exemplos recentes dessa luta entre trabalhadores e produtores do setor automotivo, no entanto, demonstram as limitações que o USMCA impõe aos trabalhadores e às autoridades governamentais do México e dos EUA em relação ao cumprimento dessa promessa continental. Recentemente, duas fabricantes de peças sediadas em Michigan—a VU Manufacturing e a Unique Fabricating— responderam às demandas dos trabalhadores por negociações coletivas embasadas em provisões do USMCA com fuga de capital: as empresas optaram por descumprir tanto as disposições trabalhistas do Código do Trabalho Mexicano de 2019 quanto as do acordo considerado histórico entre o México e os EUA. Os potenciais benefícios do IRA à força de trabalho mexicana empregada nas cadeias de suprimento regionais da produção de automóveis seguem em aberto.
Trabalho e livre comércio
A renegociação do NAFTA em 2017, impulsionada pelas críticas ao livre comércio durante o governo Trump, criou a oportunidade de incluir a força de trabalho no corpo principal de um novo acordo.2 O USMCA, acordo resultante, dedica vários capítulos a amenizar os temores sobre a perda de empregos na indústria dos EUA para os trabalhadores mexicanos. Foi uma preocupação manifestada tanto pela direita protecionista quanto pela esquerda trabalhista, e é algo que abre espaço para variadas soluções. Em um conjunto de recomendações para a renegociação, a Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO) argumentou que os salários dos trabalhadores mexicanos do setor automotivo deveriam ser altos o suficiente para garantir a eles e a suas famílias um padrão de vida decente— acesso a comida, água, moradia, educação, assistência médica, vestuário, transporte e capacidade de economizar recursos para aposentadoria e emergências. O capítulo 4 do acordo final, “Regras de origem”, reflete essa preocupação, exigindo que “40 a 45% do conteúdo automotivo seja produzido por trabalhadores que ganhem, no mínimo, US$ 16 por hora”.
Além dos aumentos salariais, a maior federação trabalhista dos EUA recomendou o fortalecimento da sindicalização, da democracia no local de trabalho e dos direitos de negociação coletiva. Em vez de retrair o comércio, como a retórica protecionista mais conservadora geralmente indica, esses padrões nivelariam o terreno de ação para os os trabalhadores norte-americanos do setor automotivo. Nesse sentido, a versão final do USMCA incluiu diversos mecanismos relacionados aos direitos trabalhistas no México. O Capítulo 23, “Trabalho”, e o Anexo 23-A, “Representação dos Trabalhadores em Negociações Coletivas no México”, descrevem os direitos no local de trabalho e estão de acordo com a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. O Anexo 31-A, “Mecanismo Trabalhista de Resposta Rápida Específico da Instalação” [Facility-Specific Rapid Response Labor Mechanism – RRLM], que se aplica ao México e aos EUA, permite que os trabalhadores apresentem queixas formais caso tenham direitos trabalhistas e liberdade de associação negados. O descumprimento das disposições trabalhistas do USMCA pode resultar na suspensão do tratamento tarifário preferencial, na imposição de penalidades e no impedimento do ingresso de produtos ou serviços produzidos pela empresa no mercado dos países.3 Desde a promulgação do USMCA, em julho de 2020, o RRLM foi revindicado dezoito vezes.4
O USMCA também estabeleceu o Comitê Trabalhista Interagências [Interagency Labor Committee—ILC] para fazer cumprir as obrigações trabalhistas, que inclui um Conselho Independente de Especialistas Trabalhistas do México destinado a monitorar e avaliar as reformas trabalhistas do país. Juntas, essas medidas têm por objetivo defender os direitos trabalhistas básicos e aumentar os salários no México, corrigindo as assimetrias no poder da classe trabalhadora ao longo da cadeia de suprimentos automotiva norte-americana. O Departamento de Assuntos Trabalhistas Internacionais ligado ao Departamento do Trabalho dos EUA, quando anunciou a combinação do USMCA entre comércio internacional e emprego de alto nível, descreveu o acordo como instrumento que prevê “as disposições trabalhistas mais fortes e de maior alcance de qualquer acordo comercial”.
O modelo trabalhista mexicano
No México, antes do NAFTA, a política industrial doméstica moldava amplamente o investimento no setor automotivo. Durante a era da industrialização por substituição de importações (1940-1970), a produção de automóveis, considerada intensiva em capital e mão de obra, foi fundamental para industrializar o país e formar sua a força de trabalho manufatureira. A forte intervenção do governo no desenvolvimento econômico se apoiava e contribuia para reforçar um modelo trabalhista corporativista que focava em fomentar uma força de trabalho industrial sindicalizada por meio do principal sindicato do Estado, a Confederação de Trabalhadores do México [Confederación de Trabajadores de México—CTM].5 Com o passar dos anos, esse modelo foi transformado em um instrumento de gerenciamento autoritário e repressivo das relações trabalhistas pelo governo, em benefício do Estado e das empresas.
Os salários e as condições de trabalho eram determinados por “contratos de proteção ao empregador”, acordos trabalhistas moldados para proteger os investimentos em detrimento dos interesses da força de trabalho. Esses contratos, endossados pelo governo, são assinados por empregadores e sindicatos filiados principalmente à CTM, sem que as bases tenham conhecimento dos termos do acordo. Os contratos de proteção ao empregador impõem uma barreira significativa à liberdade de associação e à negociação coletiva, criando uma relação estreita entre empregadores, sindicatos não eleitos e autoridades estatais voltada a manter condições ideais de investimento. Durante décadas, os trabalhadores do setor automotivo—juntamente com os trabalhadores empregados em outros setores industriais—lutaram contra a CTM e os sindicatos filiados a essa confederação trabalhista. Nesse sentido, desafiaram o Estado e as empresas com o objetivo de melhorar as condições de trabalho, a democracia no local de trabalho e a representação dos trabalhadores.
Em 2018, sob o slogan “A Quarta Transformação”, o Presidente Andrés Manuel López Obrador (2018-2024) iniciou uma série de reformas estruturais no modelo econômico do México. Em 1º de maio de 2019—Dia Internacional do Trabalhador—, López Obrador sancionou uma lei cujo conteúdo pode ser considerado a mais significativa reforma na história das relações trabalhistas mexicanas, encerrando o modelo que criou e perpetuou os “contratos de proteção ao empregador”. Entre outras mudanças, as reformas no Código Trabalhista Federal do México estipulam aumentos salariais, liberdade para participar de negociações coletivas, liberdade de associação e respeito aos sindicatos. Entre 2018 e 2024, o salário-mínimo aumentou em 110%, garantindo à força de trabalho mexicana o sexto maior piso salarial da América Latina. As reformas trabalhistas de 2019 do México foram precedidas pela ratificação, no mesmo ano, da Convenção sobre Liberdade de Associação e Proteção do Direito de Sindicalização (Convenção 98) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo país. Os EUA ainda não ratificaram a Convenção 98 da OIT, o Canadá ratificou em 2017. Era esse o contexto doméstico do México quando o país entrou em negociações com o governo Donald Trump sobre a rebertura do NAFTA e os termos do novo USMCA.
As reformas de 2019 oferecem proteções maiores que o USMCA em relação à negociação coletiva—especialmente sobre a importantíssima questão do direito de greve. O artigo 387 do Código do Trabalho do México estipula que, caso o empregador se recuse a participar da negociação coletiva, os trabalhadores têm direito de greve. Na era do NAFTA, o direito de greve havia sido reduzido a “mera consulta”, e o acordo tinha “deixado de fora qualquer mecanismo de aplicação, [uma vez que] a política comercial prevaleceu sobre a política trabalhista.”6 Na redação do USMCA, o direito de greve aparece como uma nota de rodapé na seção 23.3, “Direitos Trabalhistas”, e não no corpo principal do texto legal vinculativo do Capítulo 23.
Desde 2020, a legislação trabalhista no México tem sido predominantemente determinada por dois instrumentos jurídicos: o Capítulo 23, Anexo 23-A do USMCA e a lei trabalhista de 2019. Mas, ainda que a elevação dos padrões trabalhistas e o aumento do comércio e dos investimentos internacionais possam parecer objetivos alinhados, as contradições ficam claras quando se analisa o conteúdo e os destinatários dos dispositivos de execução das provisões que o USMCA—como antes o NAFTA—estabelece.
Fuga de capital
No momento em que foram obrigadas a garantir direitos trabalhistas básicos previstos no USMCA e no Código Trabalhista do México, a VU Manufacturing, que tinha uma fábrica em Piedras Negras, Coahuila, e a Unique Fabricating, que mantinha uma planta em Santiago de Queretáro, encerraram suas operações no país. A VU Manufacturing, produtora de peças automotivas internas de plástico e vinil, é sediada em Troy, Michigan. Trabalhadores da planta da VU no México registraram duas reclamações por meio do RRLM. A primeira, referente à liberdade de associação, foi bem-sucedida e levou à eleição de um sindicato independente, o La Liga. A segunda reclamação denunciava a recusa da VU em participar de negociações contratuais. Tanto México quanto os EUA reconheceram a validade da reclamação, dando à VU seis meses para implementar um “plano de reparação”. Em vez disso, a VU fechou a fábrica e inseriu líderes trabalhistas em uma lista suja. A investigação do Departamento do Trabalho dos EUA, iniciada em janeiro de 2023, foi encerrada em outubro do mesmo ano. Thea Lee, subsecretária adjunta de Assuntos Internacionais dos EUA, reagiu ao fechamento da fábrica reforçando que “sabíamos que os empregadores não optariam por cumprir a regulação todos os casos”. Katherine Tai, representante de comércio dos EUA, pediu ao governo mexicano que “busque soluções para os trabalhadores afetados e estratégias para evitar retaliações contra ex-trabalhadores da VU em outras instalações”.
Uma situação parecida ocorreu com a Unique Fabricating, fabricante de plástico, espuma e borracha sediada em Michigan. O sindicato democraticamente eleito Transformación Sindical (TS), diante da ausência de resposta a duas queixas registradas no Tribunal do Trabalho em Queretaro, registrou uma reclamação por meio da RRLM. Investigações preliminares confirmaram as alegações do TS e o Tribunal do Trabalho de Queretaro, enfim, decidiu a favor do sindicato. Em abril de 2023, os governos mexicano e estadunidense anunciaram a conclusão bem-sucedida da demanda trabalhista registrada via RRLM. A Unique Fabricating concordou em respeitar a liberdade de associação dos trabalhadores e em cumprir as obrigações legais do Código Trabalhista de 2019. No entanto, em novembro de 2023, a empresa anunciou falência e fechou suas fábricas no México, nos EUA e no Canadá. O Escritório de Representação Comercial do governo dos EUA se recusou a investigar o caso. O resultado foi o mesmo: os trabalhadores perderam seus empregos, o Estado foi forçado a encontrar “soluções” e as sedes da empresa nos EUA enfrentaram pouca ou nenhuma consequência.
Esses casos demonstram os desafios de implementação das disposições trabalhistas do USMCA, que carece de ferramentas legais para impedir que as empresas descumpram obrigações com os trabalhadores ou com a coisa pública. Comparemos essa ausência com os dispositivos legalmente vinculantes que protegem os investimentos das empresas, como o Sistema de Solução de Controvérsias Investidor-Estado [Investor-State Dispute Settlement—ISDS], consagrado no Capítulo 14 e no Capítulo 31 do USMCA, ou no Capítulo 11 do NAFTA, e usado em processos movidos contra os governos do México, Canadá e EUA. O ISDS permite que as empresas recebam prêmios em dinheiro do Estado caso seus investimentos e até mesmo lucros futuros sejam colocados em risco por projetos que beneficiem o bem comum—inclusive aqueles referentes a benefícios de saúde pública, proteções ambientais ou barateamento de serviços como o fornecimento de eletricidade. De acordo com Scott Sinclair, o ISDS permite que as empresas usem um sistema de justiça privado “para desafiar medidas vitais e legítimas de políticas públicas”. O ISDS força os governos a escolher entre revogar leis e regulamentações destinadas à provisão de bens comuns e pagar “indenizações” às empresas com dinheiro público.7
Sob a vigência do NAFTA, enquanto México e Canadá pagaram milhões de dólares a empresas em indenizações e honorários advocatícios, os EUA jamais foram condenados. Na redação do USMCA, o ISDS foi modificado para limitar significativamente sua aplicabilidade para os EUA e o Canadá, mas não para o México. Já no âmbito do USMCA, os EUA e o Canadá iniciaram duas disputas comerciais contra o México: a primeira diz respeito à reforma energética mexicana, que dá preferência à estatal do país na distribuição de eletricidade; a segunda se refere à proibição imposta pelo país sobre o milho geneticamente modificado importado dos EUA. São casos indicativos de que o USMCA, assim como o NAFTA, tem como principal objetivo facilitar o investimento privado, independentemente das consequências sociais e ambientais.
A VU Manufacturing e a Unique Fabricating exemplificam como a resposta de multinacionais a ameaças ao investimento em território mexicano por disposições trabalhistas do USMCA e do Código Trabalhista do país é a da fuga de capitais. Não existem mecanismos como o Sistema de Solução de Controvérsias Investidor-Estado (ISDS), consolidado no Capítulo 14 e no Capítulo 31 do USMCA, ou no Capítulo 11 do NAFTA, capazes de responsabilizar essas empresas nos territórios em que estabelecem suas subsidiárias por violações à força de trabalho local. A facilidade com a qual multinacionais estadunidenses encerraram suas operações no México e a falta de vontade do governo estadunidense em intervir sobre a questão sugerem que o USMCA é um mecanismo bastante focado na proteção dos investimentos de empresas dos EUA.
Esses casos também demonstram como empresas estadunidenses—e, por extensão, o governo dos EUA—transferem os custos e as responsabilidades de suas subsidiárias para os governos do México e do Canadá. Além da compensação às empresas que os Estados mexicano e canadense são obrigados a fazer por meio do ISDS, recai sobre eles também o ônus de obrigações empregatícias como indenizações, benefícios vinculados ao desemprego e custos associados ao encerramento das operações.8 Os pilares desse fenômeno são erguidos sobre mais de cinco décadas de transferência dos custos de reprodução social dessas empresas para as famílias mexicanas e para o governo mexicano, resultado da flexibilização trabalhista, das isenções fiscais e de renúncias ao pagamento de indenizações. A VU Manufacturing, por exemplo, ainda deve salários e indenizações a trabalhadores mexicanos, mas, uma vez que encerrou as atividades da subsidiária no país, está isenta de qualquer penalidade.
Embora o governo dos EUA tenha se distanciado do caso da VU Manufacturing, sob a vigência do USMCA, continua agindo como cão de guarda dos direitos trabalhistas de mexicanos empregados no setor automotivo. Essa disjunção ilustra um aspecto fundamental do acordo. Apesar de celebrado como o primeiro acordo de livre comércio comprometido com o fortalecimento de direitos trabalhistas, o USMCA corrobora amplamente o poder corporativo ao passo que ignora a legislação trabalhista mexicana de 2019. Enquanto corporações estadunidenses sofrerem fracas consequências por retaliações à legislação trabalhista do México e pela fuga de capitais, a conquista de direitos e melhores condições de trabalho por parte dos mexicanos empregados na cadeia de suprimentos da indústria automobilística dificilmente os aproximará da força de trabalho do setor nos EUA. Uma vez que cabe aos EUA fazer cumprir as regras, uma reforma efetiva exige a incorporação de mecanismos de responsabilização à estrutura existente do USMCA.
Luta dos trabalhadores
Nos EUA, embora o IRA, para determinados setores, vincule benefícios ao cumprimento de padrões trabalhistas e a garantias de salários compatíveis com os níveis predominantes, a indústria automobilística ficou de fora dessas regulamentações. Apesar de o setor automotivo ter recebido generosos incentivos para a fabricação de veículos elétricos, o presidente do sindicato United Auto Workers (UAW), Shawn Fain, ressaltou que tais incentivos não garantem condições trabalhistas ou salariais melhores para os trabalhadores do país. Dilema semelhante é enfrentado pelos trabalhadores mexicanos, uma vez que o USMCA prioriza a proteção dos investimentos em detrimento de obrigações legais de caráter trabalhista.
Os incentivos do IRA podem mudar o cenário do México. Potencialmente, o crédito fiscal para veículos elétricos seria capaz de fortalecer a cadeia de suprimento mexicana na produção de automóveis, mas os incentivos aos fabricantes do setor nos EUA podem também resultar em processos de “reshoring” dessa cadeia. A ausência de mecanismos regulatórios no USMCA que evitem a fuga de capital tornam a segunda hipótese mais provável. Há possibilidade de que mais multinacionais estadunidenses encerrem suas operações no México se confrontadas com futuras reclamações trabalhistas. A VU Manufacturing e a Unique Fabricating criaram um precedente perigoso para os trabalhadores mexicanos: sob as normas do USMCA e a fiscalização trabalhista dos EUA, empresas estadunidenses ganharam a possibilidade de responder a proteções trabalhistas mexicanas fechando suas subsidiárias no país.
Para contemplar os trabalhadores de ambos os lados da fronteira, como o USMCA alega ser o objetivo, o acordo comercial deve penalizar empresas cujas subsidiárias descumpram padrões trabalhistas internacionais. Soluções como essa, no entanto, parcem implausíveis num contexto no qual os acordos de livre comércio se revelam como acordos de investimento resultantes de negociações entre Estados, voltadas a beneficiar empresas e seus acionistas, o que traz como consequência a restrição do espaço doméstico de cada signatário para a formulação de políticas públicas. Diante da eleição de Claudia Sheinbaum como próxima presidente do México, a revisão do USMCA prevista para 2026 pode ser um momento crucial para limitar a liberdade das multinacionais em desviar de normas trabalhistas. Mas, tendo em vista a ausência de instrumentos de responsabilização de empresas estadunidenses por violações trabalhistas, é provável que o resultado do IRA seja acelerar a corrida para o abismo.
Além do crédito fiscal para VEs, o IRA oferece financiamento generoso e pacotes de empréstimos para instalações automotivas existentes localizadas nos EUA para reformar as fábricas.
↩O NAFTA original relegou o tema “trabalho” ao apêndice “Acordo Norte-Americano de Cooperação Trabalhista”. O documento foi assinado de última hora em 1993 para acalmar as críticas, tanto nos EUA quanto no México, acerca das discrepâncias trabalhistas.
↩Os governos também podem iniciar ações sob RRLM contra fábricas individuais que neguem os direitos dos trabalhadores e a democracia no local de trabalho.
↩Ver: “What Rapid Response Labor Complaints Have Achieved for Mexican Worker.”
↩Ver De la Garza, Enrique, “Cultura y crisis del corporativismo en México,” Transicion a la democracia y reforma del Estado en México, edited by José Luis Barros, Javier Hurtado and Germán Pérez, Mexico: Universidad de Guadalajara/Miguel Ángel Porrúa and FLACSO de México (1991): 235–268.
↩Ver: Lance Compa, “American Trade Unions and NAFTA,” Cornell eCommons, 1994.
↩O Canadá tem sido o país mais processado na região geoeconômica da América do Norte. Uma das piores decisões foi contra o México, veja Sinclair 2021; 2023.
↩Veja o caso da AbitibiBowater contra o Canadá.
↩
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