Em uma drástica virada na política comercial dos Estados Unidos, o governo Trump não apenas impôs uma nova rodada de tarifas contra o México como ameaça aumentá-las ainda mais. As medidas vêm alarmando a indústria manufatureira e o governo mexicano. Caso sejam aplicadas integralmente, as tarifas podem causar interrupções imediatas nas principais zonas industriais do país, colocando em risco milhares de empregos e paralisando investimentos estratégicos.
Essas ameaças, para o México, significam mais que o mero reflexo das motivações conjunturais de Trump—sejam questões migratórias, de segurança ou relacionadas aos benefícios da integração comercial. Elas revelam uma vulnerabilidade estrutural mais profunda do país: a enorme dependência em relação a um único parceiro comercial que, agora, está disposto usar as tarifas como ferramentas de coerção política. Essa instrumentalização do poder comercial dos EUA tem consequências diretas para a estabilidade da economia mexicana e para o funcionamento de cadeias de valor profundamente integradas entre os dois países.
Um exemplo claro de politização do comércio transfronteiriço foi a recente disputa sobre o Tratado da Água, firmado em 1944. No dia 10 de abril, uma semana após entrarem em vigor as novas tarifas anunciadas no Liberation Day, Trump acusou o México de “roubar água dos agricultores texanos” e ameaçou impor uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações do país, além de sanções econômicas seletivas, caso as obrigações do tratado não fossem cumpridas. Esse uso arbitrário e imprevisível das tarifas vem gerando profundas incertezas a respeito do futuro do comércio bilateral entre os dois países norte-americanos, até mesmo no que diz respeito a acordos comerciais firmados há décadas.
Em 2024, as exportações do México para os Estados Unidos bateram o valor recorde de US$ 495 bilhões—quase 30% do PIB mexicano. A pauta exportadora é especialmente formada por produtos manufaturados complexos, como como veículos, peças automotivas e eletrônicos. Esse sucesso comercial, no entanto, revela também o grau crítico de exposição da economia mexicana às decisões de Washington: uma só medida unilateral dos EUA é capaz de provocar, quase imediatamente, a paralisação de partes do setor produtivo do México.
Simulações realizadas pelo Observatório da Complexidade Econômica (OEC)1The OEC Tariff Simulator. Viktor Stojkoski, Pablo Paladino, Jelmy Hermosilla, and César A. Hidalgo. https://oec.world/en/tariff-simulator?exporter=mex&tariff=25 estimam que a imposição de tarifas de 25% poderia gerar, em apenas três anos, uma redução anual das exportações mexicanas de US$ 164 bilhões—valor equivalente ao total exportado pelo México para outros países que não os EUA. O impacto seria especialmente grave em regiões industriais dedicadas à produção para exportação, nas quais o emprego depende diretamente da estabilidade desse comércio bilateral.

Nesse cenário, o México deve evitar cair no falso dilema entre aprofundar a integração regional ou buscar novos mercados. A única estratégia factível é dupla: fortalecer os laços econômicos com os EUA em setores-chave e, ao mesmo tempo, investir de forma acelerada em uma diversificação tecnológica e geográfica capaz de reduzir vulnerabilidades, ampliar capacidades técnicas e aumentar a margem de manobra do país diante de eventuais disrupções futuras. O nível crítico de exposição da economia mexicana só poderá ser contronado por meio de uma estrutura de crescimento mais autônoma, complexa e sustentável—evitando que o país fique preso a um modelo de integração precário, vulnerável a decisões unilaterais e cada vez mais incompatível com o grau de instabilidade do ambiente geopolítico.
Do crescimento ao limite
Nas últimas três décadas, a integração produtiva com os Estados Unidos tem sido o principal motor do crescimento industrial do México. Setores como o automotivo, o de eletrônicos e o de maquinário industrial prosperaram graças à proximidade geográfica e aos acordos comerciais vigentes, para além de um progressivo processo de especialização regional. No entanto, esse mesmo caminho que permitiu ao México subir degraus nas cadeias globais também deixou o país mais vulnerável. Os riscos se concentraram à medida que as vantagens competitivas se consolidaram: hoje, grande parte do aparato produtivo nacional depende de regras, decisões e condições externas sobre as quais o México tem cada vez menos controle. Quanto mais integrada está a economia mexicana, mais exposta ela fica a problemas originados fora do território nacional.
Em 2024, o México exportou mais de 2,8 milhões de veículos leves para os Estados Unidos, alcançando uma participação de 15% nesse mercado.2S&P Global Commodity Insights. 27 de março de 2025. (<)em(>)European car makers’ body warns US tariffs threaten domestic production, exports(<)/em(>). S&P Global. Por trás desse número há uma complexa rede de fornecedores e montadoras distribuídos em ambos os lados da fronteira que dependem, em grande medida, da importação de peças essenciais—especialmente baterias, sensores de tecnologia avançada e semicondutores procedentes da Ásia e dos EUA. Essa estrutura fragmentada pode até ser eficiente em condições normais, mas, quando tarifas ou restrições tecnológicas entram em jogo, ela aumenta custos logísticos e expõe a indústria a interrupções imediatas.
O anúncio da instalação de uma megafábrica da Tesla em Nuevo León é um exemplo emblemático disso. Com investimento estimado em mais de US$ 10 bilhões e a previsão de criação de 12 mil empregos diretos, essa planta é projetada para ser um ponto estratégico na cadeia de mobilidade elétrica da América do Norte.3 Forbes, 14 de dezembro de 2023. (<)em(>)Nuevo León aprueba 2,627 mdp en incentivos para fábrica de Tesla(<)/em(>). https://forbes.com.mx/nuevo-leon-aprueba-2627-mdp-en-incentivos-para-fabrica-de-tesla Porém, no atual cenário de tarifas generalizadas, o encarecimento da cadeia de suprimentos pode inviabilizar suas operações—além de desestimular novos investimentos de escala semelhante.

Casos como o de Ciudad Juárez mostram o alcance territorial da vulnerabilidade econômica do México. Localizada na fronteira com os EUA, a cidade tem mais de 300 fábricas voltadas para a exportação, muitas delas integradas a cadeias de valor de produtos eletrônicos, peças automotivas e equipamentos médicos.4 INDEX Juárez. (2023). Boletín Económico e Industrial de la Industria Maquiladora. Consejo Nacional de la Industria Maquiladora y Manufacturera de Exportación. Uma interrupção abrupta das atividades afetaria imediatamente o emprego formal, o consumo local e as receitas fiscais do Estado. E esse não é um caso isolado: de Reynosa a Querétaro, diversas regiões industriais que dependem quase exclusivamente do livre acesso ao mercado estadunidense enfrentam riscos semelhantes.
A indústria eletrônica de Jalisco representa ainda outra dimensão dessa dependência. Com investimentos acumulados de mais de US$ 4,5 bilhões nos últimos 15 anos e mais de 100 mil empregos especializados, a região se consolidou como polo tecnológico estratégico para o México.5El Economista. (<)em(>)Jalisco se confirma como Silicon Valley y capital de chips en América Latina(<)/em(>). https://www.eleconomista.com.mx/estados/jalisco-confirma-silicon-valley-y-capital-chips-america-latina-20241105-733019.html No entanto, mais de 80% dos semicondutores usados são importados da Ásia. Entre 2021 e 2022, durante a crise mundial na produção de chips, essa dependência resultou em perdas de mais de US$ 400 milhões em apenas seis meses, evidenciando os limites de um modelo de integração sem capacidade técnica local para a produção de componentes de alta tecnologia.

A essa vulnerabilidade estrutural soma-se um gargalo logístico que aumenta ainda mais os riscos. A fronteira entre Nuevo Laredo e Laredo concentra cerca de 40% do comércio terrestre entre o México e os Estados Unidos—mais de US$ 211 bilhões anuais—, mas opera com uma infraestrutura sobrecarregada e é afetada pela lentidão dos processos alfandegários. Essa saturação gera custos adicionais estimados em mais de US$ 3,5 bilhões ao ano,6Instituto para la Competitividad y el Comercio Exterior de Nuevo Laredo (ICCE). (2022). Prontuario Socioeconómico Binacional 2022. Nuevo Laredo, Tamaulipas, México. Recuperado de https://anyflip.com/ivqr/ygor/ prejudicando a eficiência operacional de setores-chave, como o automotivo, o de eletrônicos e o equipamentos médicos.

O atual modelo de integração, baseado em eficiência e escala, tem sido bem-sucedido em termos de crescimento das exportações, mas seus limites são cada vez mais evidentes. Sem uma autonomia tecnológica significativa, uma base de fornecedores mais robusta e uma infraestrutura moderna, esse esquema fica demasiadamente vulnerável a choques externos. Em um contexto geopolítico marcado pela incerteza e pela tomada de decisões unilaterais, insistir nesse tipo de dependência sem fazer ajustes estratégicos compromete a capacidade do Estado mexicano de proteger sua base industrial e conduzir seu desenvolvimento econômico de forma soberana.
Uma estratégia, duas frentes de ação
A crescente exposição do México a decisões comerciais unilaterais evidencia que a mera manutenção do nível atual de integração regional não é suficiente: é preciso repensar a estratégia, reconhecendo suas limitações e aproveitando seus pontos fortes. Os setores mais dinâmicos do país—automotivo, eletrônico e médico-industrial—revelam tanto o potencial positivo quanto os riscos latentes de uma integração tão profunda. A questão não é mais se o México deve seguir apostando na integração ou se deve diversificar seus parceiros, mas como fazer ambas as coisas de forma complementar. Isso exige entender quais setores possuem mais vantagens consolidadas, quais enfrentam gargalos críticos e em que áreas é possível reduzir as vulnerabilidades sem prejudicar o que está funcionando bem.
Essa abordagem não representa uma ruptura com os Estados Unidos, mas uma transformação qualitativa da relação entre os países. O México não é um mero fornecedor de baixo custo: é uma peça central da competitividade industrial da América do Norte. Setores como o de equipamentos médicos, peças automotivas e eletrônicos demonstram isso claramente. O que está em jogo não é só a manutenção do acesso ao mercado estadunidense, mas a redefinição dos termos desse acesso: a promoção de um modelo de integração com maior conteúdo tecnológico e capacidade de inovação nacionais e com cadeias de abastecimento mais robustas e preparadas para suportar choques externos sem comprometer a estabilidade produtiva.
A indústria de equipamentos médicos é um exemplo concreto de integração produtiva de nova geração. Em 2024, o México se consolidou como principal fornecedor desses produtos para o mercado estadunidense, com exportações que ultrapassam os US$ 12 bilhões de dólares e uma taxa de crescimento anual superior a 25%. Empresas como Medtronic, Johnson & Johnson e Abbott construíram operações binacionais que combinam a eficiência manufatureira do México com as competências regulatórias, de pesquisa e desenvolvimento e de design dos Estados Unidos. Dados recentes mostram que o México contribui com 2,8% do valor agregado interno das exportações dos Estados Unidos, frente a 1,8% no caso da China e 0,4% no caso do Vietnã.7 Casas Alatriste, P., & Martínez, A. (2025, February 3). “America First” does not mean “America alone”. Diplomacy21 – Wilson Center. https://diplomacy21-adelphi.wilsoncenter.org/article/america-first-does-not-mean-america-alone

Esse modelo reduz os custos operacionais em até 20% em relação aos fornecedores asiáticos, ao mesmo tempo em que aumenta a velocidade de resposta logística em um setor altamente sujeito a mudanças regulatórias.8National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine, Health and Medicine Division, Board on Health Sciences Policy, Committee on Security of America’s Medical Product Supply Chain, Shore, C., Brown, L., & Hopp, W. J. (Eds.). (2022, March 3). Globalization of U.S. medical product supply chains (Chapter 3). In Building resilience into the nation’s medical product supply chains. National Academies Press. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK583730/ Além disso, as fábricas mexicanas cumprem rigorosas normas internacionais (FDA, CE, ISO 13485), o que lhes permite, para além de abastecer os EUA, competir nos mercados globais. Agora, o que importa para o comércio exterior do México não é apenas o nível de integração regional, mas a capacidade tecnológica e possibilidade de projeção para além da América do Norte.
Uma análise detalhada do comércio bilateral com os EUA revela o alto grau de interdependência entre os países. O México lidera as exportações de equipamentos médicos montados para os Estados Unidos, enquanto depende de insumos essenciais—como circuitos integrados controladores (HS 8542.31)—procedentes do mercado estadunidense. Em 2024, o México exportou mais de US$ 12 bilhões em equipamentos médicos para os Estados Unidos, que, por sua vez, enviaram mais de US$ 9,3 bilhões em componentes para o México. O resultado não demonstra um déficit ou uma perda, mas a existência de uma cadeia de valor compartilhada na qual um país fornece os “cérebros” e desenha os produtos e o outro monta, certifica e disponibiliza esses produtos para o uso clínico.

Esse modelo não é sustentado por tarifas ou retóricas nacionalistas, mas por regras claras, investimentos cruzados e confiança mútua. Sua disrupção não só prejudicaria os empregos e a competitividade, mas enfraqueceria a eficiência sanitária de toda a região, interrompendo um ecossistema produtivo que vai além das fronteiras individuais e depende de forte coordenação entre os países.
O setor automotivo é outro exemplo. Em 2024, o México exportou mais de US$ 30 bilhões em peças automotivas para os Estados Unidos, o que representa mais de 40% do total das importações americanas. No entanto, a aparente liderança mexicana esconde uma fraqueza estrutural: a média de tecnologia nacional presente nesses produtos corresponde a pouco mais de 55%.9Secretaría de Economía (2023). Diagnóstico y Prospectiva de la Industria Automotriz. Gobierno de México. Disponível em: https://www.gob.mx/se/documentos/diagnostico-y-prospectiva-de-la-industria-automotriz Grande parte dos componentes mais sofisticados— sensores, semicondutores e módulos eletrônicos—ainda é importada pelo México.

Agora, manter uma posição favorável na cadeia de suprimentos exige mais do que volume: demanda que o México faça uma transição da posição de montador para uma de gerador de valor. Para isso, instrumentos concretos são essenciais: incentivos fiscais vinculados ao aumento progressivo da participação tecnológica nacional, esquemas de coinvestimento em tecnologia com empresas âncoras e programas de capacitação técnica em setores-chave são alguns exemplos. Nas décadas de 1980 e 1990, a Coreia do Sul, por exemplo, adotou uma estratégia semelhante. Como resultado, a economia coreana deixou de ser mera fornecedora intermediária e virou potência industrial. O México pode adaptar esse tipo de experiência às suas particularidades internas.
Outro fator essencial para garantir maior autonomia é o planejamento estratégico da diversificação produtiva e comercial. O México já começou a receber investimentos relevantes em setores emergentes, como o de eletromobilidade. Um exemplo significativo é a instalação de uma fábrica da BMW no estado de San Luis Potosí, que prevê a produção, a partir de 2027, de 140 mil baterias por ano.10BMW Group. (2023). (<)em(>)BMW Group incrementa la producción de vehículos eléctricos en la red de producción global: la plataforma ‘NEUE KLASSE’ también se construirá en la Planta de San Luis Potosí(<)/em(>). No entanto, o país ainda não conta com uma cadeia produtiva integrada: não tem capacidade de escala para refinar lítio, fabricar células de bateria ou montar sistemas completos.
Nesse caso, a experiência da Polônia pode oferecer um roteiro útil. Em menos de uma década, o país criou um ecossistema competitivo de baterias elétricas sustentado por três pilares: incentivos fiscais direcionados, parques industriais especializados instalados em locais com vantagens logísticas e capacitação técnica acelerada em parceria com líderes globais, como a LG e a Northvolt.

A experiência do Vietnã em produtos eletrônicos de ponta também oferece importantes lições. Apesar da abertura de centros de design em Guadalajara por empresas como a Intel e da expansão da capacidade de montagem da Foxconn, o México ainda importa mais de 75% dos semicondutores que consome. O Vietnã, por sua parte, aproveitou os acordos com a Samsung para desenvolver competências em encapsulamento, design intermediário e formação técnica especializada, avançando gradualmente na cadeia de valor. Em vez de um salto extraordinário, o progresso do Vietnã se baseou na definição de objetivos claros, realização de ajustes estruturais e no acúmulo progressivo de capacidades técnicas.

O México não está começando do zero. O país forma mais de 120 mil engenheiros por ano,11 WorldAtlas. (2018, July 18). Countries That Produce the Most Engineers. Retrieved April 23, 2025, from https://www.worldatlas.com/articles/countries-with-the-most-engineering-graduates.html conta com zonas industriais conectadas a portos e pontos fronteiriços altamente movimentados e tem uma base industrial de manufatura que responde por mais de 18% do PIB.12Secretaría de Economía y del Trabajo. (2023). Industria manufacturera en México. Basado en datos del INEGI. Vantagens não faltam. Agora, é preciso criar uma estratégia certeira e coordenada para transformar essas vantagens em plataformas para o avanço produtivo. O segredo está em não dividir esforços, mas concentrá-los em setores nos quais o país pode crescer rapidamente, desenvolvendo competências fundamentais e abrindo novas rotas de inserção internacional.
Investimento e escalabilidade
Diversificação, no entanto, não é sinônimo de dispersão. Em um contexto de recursos limitados e competências ainda em desenvolvimento, o México precisa concentrar esforços nas oportunidades externas alinhadas às suas vantagens existentes e potenciais. A questão não é saber para que países exportar mais, mas quais setores e mercados permitirão ao México escalar a qualidade das exportações rapidamente, reduzir vulnerabilidades críticas e construir uma base tecnológica mais robusta. O Observatório da Complexidade Econômica (OEC) desenvolveu um modelo de potencial exportador que oferece orientações concretas: identifica nichos de alto impacto nos quais já existem condições para competir e pontos nos quais o investimento direcionado pode transformar lacunas atuais em plataformas de expansão.
Diferente das abordagens que projetam o futuro do comércio com base no crescimento anterior ou na proximidade geográfica, o modelo proposto pelo OEC incorpora competências produtivas, vínculos tecnológicos e compatibilidade com a demanda dos países de destino. Ao cruzar esses fatores, identifica produtos e localidades com alto potencial de expansão. Os resultados apontam caminhos concretos para o planejamento estratégico da diversificação.
- China: Peças automotivas, circuitos integrados e equipamentos médicos de tecnologia avançada
Potencial estimado: mais de 3,2 bilhões de dólares em exportações adicionais. - Alemanha: Fabricação de automóveis, eletrônicos industriais e computadores
Potencial estimado: mais de 2 bilhões de dólares. - Canadá: Peças automotivas, tecnologias digitais e equipamentos médicos
Potencial estimado: mais de 2,5 bilhões de dólares. - Brasil: Veículos comerciais, peças automotivas de tecnologia avançada e produtos eletrônicos industriais
Potencial estimado: mais de 900 milhões de dólares.

Essas oportunidades não indicam somente novos destinos comerciais, mas representam rotas concretas para a redução da dependência dos Estados Unidos, para o aumento do conteúdo tecnológico das exportações e para a expansão da autonomia geoeconômica do país. Não se trata de competir no mercado internacional com preços baixos, mas de aumentar a qualidade, a sofisticação e a relevância estratégica do comércio exterior. Aproveitar esse potencial permitira ao México não só diversificar o comércio, mas redefinir seu papel nas cadeias globais de valor. Mas identificar essas oportunidades é só o primeiro passo. Aproveitá-las depende do desenvolvimento das competências necessárias para competir internacionalmente. Para ampliar as exportações de equipamentos médicos para a Alemanha ou para o Canadá, por exemplo, é preciso consolidar certificações internacionais (CE, ISO), adequar o modelo produtivo às estruturas regulatórias desses países e instalar laboratórios de testes avançados. Entrar em mercados como o de circuitos integrados na China ou na Alemanha, por sua vez, envolve investir em design eletrônico, encapsulamento e testes funcionais—capacidades ainda limitadas no ecossistema de produção nacional.
Isso vale também para a infraestrutura. A exportação de produtos manufaturados complexos para a Ásia ou para a Europa não será viável sem rotas logísticas confiáveis, modernização de portos e acordos alfandegários que evitem potenciais atritos. As oportunidades podem estar bem mapeadas, mas continuarão fora de alcance se o governo mexicano não garantir as condições necessárias para aproveitá-las. A falta de uma conectividade fluida—tanto em termos de rodovias, ferrovias e portos quanto de regulamentação—não apenas encarece as operações, mas restringe a capacidade do país de se integrar às cadeias globais de maior complexidade tecnológica.
É exatamente nesse ponto que a integração e a diversificação se cruzam: mais do que rotas paralelas, elas são partes de uma mesma estrutura produtiva. A escala alcançada em setores integrados aos Estados Unidos—como o automotivo, o eletrônico e o médico-industrial—oferece um ponto de partida concreto para identificar os elos das cadeias de valor de maior dependência externa e transformá-los em plataformas de expansão tecnológica e abertura comercial. Se o México orientar sua política de desenvolvimento produtivo para integrar capacidades e mercados, as vulnerabilidades de hoje podem se tornar as vantagens de amanhã.
Isso pressupõe uma mudança na lógica atual: não basta só fortalecer o que já funciona, é preciso intervir estrategicamente nos pontos em que o México é mais vulnerável e que podem, ao mesmo tempo, abrir portas para novos setores e mercados globais—como os de semicondutores, baterias ou sensores de tecnologia avançada. Transformar esses pontos fracos em plataformas de sofisticação exige uma perspectiva integrada que coordene o desenvolvimento das competências tecnológicas, da escala industrial e do acesso comercial. Justamente nos setores em que há maior dependência, há também maior potencial de crescimento em escala—desde que o investimento seja focalizado.
Transformar potencial em política
A transformação produtiva que o México precisa não será alcançada com programas dispersos ou incentivos desconexos. É preciso priorizar competências, mobilizar instrumentos públicos e articular Estado e setor privado em torno de um novo—e preciso—mapeamento de especializações. O que está em jogo não é apenas o aumento das exportações, mas a construção de uma economia mais autônoma, sofisticada e resiliente. Esse não é um processo que ocorre espontaneamente: exige visão política, capacidade de execução e uma estrutura institucional habilitada para sustentar esses esforços por um período mais longo que o dos mandatos presidenciais de seis anos.
A base industrial do México cresceu em escala, mas não em densidade tecnológica ou em integração local. Hoje, menos de 1% das empresas mexicanas tem participação direta nas exportações,13OECD(<)strong(>).(<)/strong(>) (2023). (<)em(>)SME and Entrepreneurship Policy Review: Mexico 2023(<)/em(>). OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/1cc9eaec-en o que reflete uma falta de conexão estrutural entre o investimento estrangeiro e o ecossistema de fornecedores nacionais. Fechar essa lacuna exige coordenação e não improvisação. Isso implica vincular incentivos fiscais ao aumento da participação nacional em setores estratégicos, promover esquemas de coinvestimento tecnológico entre empresas globais e fornecedores locais e implementar programas de formação acelerada em tecnologias-chave. Não se trata de substituir importações indiscriminadamente, mas de desenvolver autonomia tecnológica em pontos críticos.
A infraestrutura, por sua vez, faz mais do que simplesmente facilitar o comércio: determina quem pode participar dele. Hoje, gargalos logísticos e energéticos têm limitado a capacidade de expansão de regiões inteiras no México. Enquanto em alguns pontos fronteiriços importantes a significativa saturação gera altos custos adicionais, no sul, o atraso em infraestrutura energética—a rede elétrica é ineficiente, o sistema elétrico é instável e os custos são pouco competitivos em relação ao norte—impede a chegada de indústrias de ponta a zonas com grande potencial demográfico e industrial. Uma expansão estratégica da rede nacional combinada com investimentos em energia renovável e distribuição logística permitiria conectar a região sul-sudeste do país aos principais corredores industriais e abrir novas rotas para a diversificação territorial. Superar essas barreiras exige mais do que investimentos isolados: requer uma visão integrada que combine logística, modernização energética e conectividade digital, fazendo com que a infraestrutura efetivamente se traduza em coesão econômica e competitividade regional.
A escala das transformações que o país requer não pode ser viabilizada sem um centro de gravidade institucional. Atualmente, a política industrial mexicana está fragmentada entre ministérios, fundos, programas e diferentes níveis de governo que operam sem uma orientação comum. Da Coreia do Sul à Polônia, experiências de modernização bem-sucedidas compartilham um princípio básico: sem coordenação política de alto nível, é impossível alinhar incentivos, mobilizar recursos e sustentar prioridades por um período maior que o mandato presidencial do momento. O México precisa de um órgão de governo que combine visão estratégica e capacidade operacional: um Conselho Nacional de Política Industrial subordinado diretamente à Presidência, que possa articular objetivos mensuráveis em termos de autonomia tecnológica e diversificação das exportações, coordenar orçamentos e regulamentações entre órgãos públicos e garantir a participação do setor privado, de governos locais e de clusters industriais. Não se trata de criar mais uma instância burocrática, mas de viabilizar uma estrutura institucional capaz de transformar as potencialidades produtivas nacionais em resultados concretos.
Para o México, a ameaça tarifária não é um mero risco conjuntural. É o sintoma principal de uma vulnerabilidade estrutural mais profunda: um modelo de integração econômica que, embora bem-sucedido em termos de volume das exportações, foi construído sobre frágeis pilares de dependência tecnológica, concentração geográfica e articulação doméstica limitada.
O futuro industrial do México não será definido somente pelo que o país exporta, mas pela forma como produz, pelos parceiros com quem integra essa produção e pela estrutura regulatória que a organiza. Em um mundo no qual o comércio não é mais regido pela eficiência, mas pelo poder, a dupla estratégia de integração e diversificação não é mera retórica política, é necessidade estrutural. O ultimato comercial dado por Trump no caso da disputa pela água deixa uma coisa muito clara: se as regras do jogo podem ser alteradas em uma coletiva de imprensa, não há acordo comercial capaz de garantir estabilidade.
O México possui setores estratégicos, competências emergentes e uma sólida base industrial que pode ser ampliada. Diagnósticos não faltam. Nesse momento, o que falta é ação continuada e vontade política duradoura. As decisões tomadas nos próximos anos definirão se o país avançará em direção a uma economia mais resiliente, complexa e soberana ou se perpetuará um modelo vulnerável, exposto ao risco constante de interrupções e à crescente incerteza global.
Tradução: Luiza Mançano
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