1 de agosto de 2025

Análises

Orçamento em disputa

Quem ganha e quem perde com o novo regime fiscal de Lula?

A agenda fiscal progressista figurou entre os fatores mais relevantes para a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2022. Após seis anos de vigência do teto de gastos imposto por Michel Temer na sequência do impeachment de Dilma Rousseff, cumprir a promessa de campanha de Lula exigia, na prática, que o governo convencesse o Congresso Nacional—sem dispor de maioria parlamentar1Do total de 513 deputados, a base “oficial” do governo—que inclui PT, PCdoB, PSOL, Rede, PSB, PSD, MDB, Avante e Solidariedade soma 231 membros. É, no entanto, uma base instável. Em geral, o alinhamento irrestrito ao Planalto soma muito menos votos do que o número “oficial”. Partidos como MDB e PSD, apesar de comporem a base, comumente votam contra o Executivo. Ainda, partidos que comandam ministérios, ou seja, têm cargos nomeados pelo poder Executivo, como União Brasil, PP e Republicanos, apesar de se declararem “independentes”, adotam de forma recorrente um comportamento abertamente oposicionista.—a acatar um regime substitutivo. O Ministério da Fazenda se encarregou de desenhar uma nova regra e, após negociações marcadas por intensas pressões de setores favoráveis à austeridade, em 2023, o chamado Regime Fiscal Sustentável (RFS) foi finalmente aprovado pelo Legislativo.

Menos de dois anos após a adoção do RFS, as disputas em torno do orçamento público já demonstram que a regra foi um tiro no pé da agenda fiscal progressista que reconduziu Lula ao Planalto. Apesar das tentativas do governo de usar o desenho da regra para aumentar a arrecadação e avançar pautas importantes, como a tributação de super-ricos e a redução de benefícios tributários, foi o corte de benefícios sociais e investimentos públicos que virou rotina. Uma vez que os gastos sujeitos a cortes são justamente os que teriam maior impacto no PIB ao longo do tempo, a manutenção do RFS depende de medidas que ameaçam o seu próprio cumprimento no longo prazo. A natureza dos gastos cortados não só tem as piores consequências distributivas, mas também macroeconômicas, reduzindo ainda mais o espaço fiscal futuro.

Virada fiscalista

Em termos históricos, a hegemonia da “disciplina fiscal” no pensamento econômico é um fenômeno relativamente recente. Durante o pós-guerra—da recuperação econômica da Europa à expansão do Estado de bem-estar americano e às tentativas de superação do subdesenvolvimento na América Latina—, os gastos públicos eram considerados um instrumento importante de coordenação macroeconômica e gestão da demanda agregada. Mas, a partir da década de 1970—no caso brasileiro, especialmente desde os anos 1980—, os ventos mudaram. 

Períodos de alta inflação e estagnação econômica embasaram uma inflexão no pensamento econômico dominante, que passou a promover uma política fiscal “disciplinada”. A estabilização da dívida pública e a redução da influência política sobre decisões orçamentárias passaram a ser entendidas como condições essenciais à garantia de maior previsibilidade, credibilidade e eficiência na condução da política econômica. Por trás dessa virada estava a ideia de que, em economias competitivas, mecanismos de mercado seriam suficientes para garantir estabilidade e crescimento no longo prazo. A atuação fiscal do Estado, portanto, deveria se restringir a solucionar eventuais “falhas de mercado”. As regras fiscais, instrumentos institucionais voltados a limitar “discricionariedades” na gestão do orçamento público, passaram a dominar o receituário econômico mundo afora. 

O objetivo de insular o orçamento público de interferências políticas, no entanto, é uma contradição em termos. O orçamento é uma arena de disputa política por natureza. O gasto público compõe uma parcela significativa da demanda agregada, determinante última da renda nacional—em outras palavras, é o orçamento que define quem se apropriará de uma fatia relevante dessa renda. Trata-se, assim, de um lócus do conflito distributivo. Nesse sentido, as regras fiscais não se limitam ao objetivo declarado de garantir a solidez das finanças públicas: elas moldam e delimitam o terreno no qual disputa pelo orçamento se dará.

O pano de fundo do RFS é o acirramento do conflito distributivo no interior do orçamento público, um processo em curso no Brasil desde, pelo menos, a discussão por trás do teto de gastos. Na medida em que impõe limites ao espaço fiscal do governo, o RFS representa uma renovação desse embate, que mais recentemente tem se traduzido num discurso de “ricos versus pobres” endossado pelo próprio governo. Acontece que, até o momento, o placar da disputa distributiva sob o RFS não vem sendo favorável à agenda de Lula. Tentativas do governo de aumentar a arrecadação por meio de medidas direcionadas a grupos de poder vêm falhando consistentemente. Enquanto isso, a solidez das finanças brasileiras tem sido custeada pelas camadas mais vulneráveis da população. Em um cenário de constrição orçamentária que ameaça até mesmo gastos constitucionalmente garantidos, como saúde e educação, não há espaço fiscal para quaisquer outros projetos progressistas, nem mesmo aqueles relacionados ao combate à crise climática, que demanda a destinação crescente de recursos para projetos de mitigação e adaptação.

Disputa orçamentária

Os dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010) foram marcados por uma combinação inédita de crescimento econômico, inclusão social e melhora nos indicadores fiscais. Entre 2003 e 2011, o país cresceu em média 4% ao ano. Enquanto políticas públicas como o Bolsa Família reduziram significativamente os níveis de pobreza e desigualdade, o Brasil registrou superávits primários consecutivos e viu a relação dívida/PIB cair. No início da década passada, entretanto, esse modelo começou a dar sinais de esgotamento. Durante a presidência de Dilma Rousseff (2011-2016), o cenário externo se tornou menos favorável, a estrutura produtiva se mostrou incapaz de acompanhar a nova demanda, os mecanismos políticos de coordenação macroeconômica se corroeram e os conflitos distributivos se intensificaram.2Carvalho, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. Editora Todavia. Não só a janela histórica de expansão de políticas redistributivas foi fechada, mas o país também passou a registrar déficits nas contas públicas. 

O discurso fiscalista tomou conta do debate público de tal maneira que embasou o impeachment de Rousseff em 2016. Foi nesse ambiente que, em 2017, a administração de Michel Temer (2016-2018) instituiu o teto de gastos, regra fiscal que congelava o gasto público em termos reais por 20 anos. Ao comprimir rapidamente o gasto discricionário e, na prática, asfixiar a capacidade do Estado de formular e executar políticas públicas, a proposta mostrou seus limites desde o início. Exceções ao teto foram autorizadas já no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). No ano seguinte, a regra teve que ser completamente contornada em razão da pandemia de Covid-19. Em 2023, portanto, quando Lula retornou à presidência, o desenho de um novo arranjo fiscal era prioridade.

O RFS combina uma regra de receita, uma regra de despesa e uma meta de resultado primário que impõem um viés superavitário para as contas públicas: as despesas crescerão sempre abaixo das receitas, exceto em caso de crise econômica ou crescimento próximo de zero.3O RFS combina uma regra de receita, uma regra de despesa e uma meta de resultado primário organizadas de maneira inédita. A meta de resultado primário é determinada por um intervalo de +0,25 e -0,25 ponto porcentual em relação a um valor proposto pelo governo e aprovado pelo Congresso anualmente. Em termos reais, as despesas primárias podem crescer até o limite de 70% da taxa de crescimento das receitas do ano anterior. Mas, caso o  resultado primário do ano anterior tenha ficado abaixo da banda inferior da meta de resultado primário, o limite para a taxa de crescimento das despesas diminui para 50% da taxa de crescimento das receitas.  Além disso, a regra introduz um mecanismo anticíclico de limites superior e inferior para o crescimento das despesas, evitando quedas ou aumentos bruscos caso as receitas variem significativamente. A taxa de crescimento real dos gastos não pode ser menor que 0,6% nem maior que 2,5%. Assim, as despesas crescerão sempre abaixo das receitas, exceto se, numa situação de crise econômica, o crescimento da receita seja menor que 0,6%. Esse viés superavitário implica a progressiva redução do tamanho do Estado em proporção ao PIB.

A Constituição brasileira prevê que pelo menos 15% das receitas líquidas correntes devem ser destinados a gastos com saúde pública e 18% das receitas tributárias devem ser aplicados em gastos com educação. A legislação do país também vincula diversos benefícios e transferências sociais ao valor do salário-mínimo (que, atualmente, adota uma regra de reajuste anual com valorização real). O envelhecimento da população indica que despesas relacionadas ao sistema previdenciário tendem a aumentar. Mas, uma vez que o RFS determina que a expansão das despesas deve ser menor que o crescimento das receitas, benefícios sociais e serviços públicos já estão em conflito por espaço no orçamento. Nessa disputa entram, ainda, as emendas parlamentares,4Emendas parlamentares são propostas de deputados e senadores para modificar a Lei Orçamentária Anual. Ao longo da última década, o volume dessas emendas cresceu significativamente. Tradicionalmente, cabia ao governo escolher se e quando esses recursos demandados pelo parlamento seriam liberados. Recentemente, no entanto, parte das emendas passou a ter caráter impositivo, ou seja, valor mínimo no orçamento e execução obrigatória pelo governo. despesas que estão sob controle do Legislativo (e não do Executivo) e que têm, em parte, caráter impositivo e atrelado às receitas.5Desde 2015, emendas parlamentares individuais têm execução obrigatória e, desde 2022, têm um orçamento mínimo de 2% da receita corrente líquida. Emendas de bancada, por sua vez, ganharam caráter impositivo e um orçamento mínimo de 1% da receita corrente líquida em 2019.

O Ministério da Fazenda vem tentando vincular o ajuste fiscal não só ao corte de gastos, mas também ao aumento da arrecadação. Uma vez que a taxa de crescimento dos gastos está atrelada à taxa de crescimento das receitas, um aumento nas receitas reduziria a pressão para cortar as despesas e melhoraria o próprio resultado primário, variável-chave do RFS.6Para mais detalhes, consultar a nota de rodapé n.º 3. Desde o início da gestão, a Fazenda propôs diversas medidas arrecadatórias. Algumas foram bem-sucedidas—como a tributação dos fundos offshore, aprovada em 2024, que gerou receitas de R$ 22,8 bilhões (ou US$ 4 bilhões7Taxa de câmbio: US$ 1 = R$ 5,65.), valor equivalente a 1% do orçamento de 2025—, outras nem tanto—como a frustrada tentativa de redução dos gastos tributários, que, em 2024, representavam R$ 45,1 bilhões (ou US$ 8 bilhões), valor equivalente a 2,1% do orçamento federal.8Gastos tributários são formas de renúncias de arrecadação pelo Estado. Isenções fiscais para regiões do país menos desenvolvidas, programas de restituição de valores gastos com saúde e educação privadas no imposto de renda e desonerações da folha de pagamento para determinados setores e empresas são alguns exemplos de gastos tributários vigentes no Brasil. O governo ainda pretende propor uma reforma na tributação da renda que estabeleça a incidência de uma alíquota efetiva mínima de 12% a 15% para milionários—estima-se que essa medida poderia gerar entre R$ 62,8 bilhões (US$ 11,1 bilhões) e R$ 87 bilhões (US$ 15,4 bilhões) de arrecadação, elevando o orçamento entre 2,9% e 4%. Tal proposta tem sido central para o discurso do governo de que, na disputa de “ricos versus pobres”, é preciso combater privilégios.

No longo prazo, no entanto, não adianta simplesmente aumentar a receita. Para gerar mais espaço fiscal é preciso aumentar a taxa de crescimento das receitas. E, mesmo que ela aumente, a taxa de crescimento dos gastos será sempre menor.9Para mais detalhes, consultar a nota de rodapé n.º 3. Ainda que o aumento de receitas pareça ser uma boa saída, o viés superavitário do RFS faz com que não seja suficiente para garantir o cumprimento das metas fiscais. Ao contrário, a regra demanda uma permanente revisão dos gastos—como reconhece o próprio ministro da Fazenda.

A necessidade de corte de gastos foi sentida já no primeiro ano de vigência do RFS. No fim de 2024, o governo anunciou um amplo pacote que prometia poupar, entre 2025 e 2030, R$ 327 bilhões (ou US$ 57,9 bilhões), valor equivalente a 2,8% do PIB de 2024. O plano incluía reduzir a despesa com supersalários do funcionalismo público, limitar o crescimento das emendas parlamentares, cortar gastos tributários (o que já havia sido rejeitado pelo Legislativo em 2023) e mudar a regra de valorização anual do salário-mínimo. Alterações no FUNDEB,10Repasses da União a Estados e Municípios para auxiliar no financiamento educacional da rede pública. nos pisos constitucionais de saúde e educação e na oferta de benefícios sociais como o Bolsa Família também foram alvo de discussão. A disputa distributiva no interior do orçamento foi enfatizada pelo processo de apreciação do pacote no Congresso.

Os supersalários refletem algumas poucas carreiras do funcionalismo público, em particular do Judiciário, que recebem remunerações muito acima do limite legal através do pagamento de benefícios fora da folha salarial. A proposta do governo previa que verbas que ultrapassassem o limite legal deveriam ser regulamentadas via Lei Complementar, instrumento que exige maioria absoluta para ser aprovado e, por isso, é menos propenso a alterações. A versão aprovada pelo Congresso determina que casos individuais devem ser tratados via Lei Ordinária, aprovada por maioria simples e mais suscetível a flexibilizações.

O crescimento das emendas parlamentares, por sua vez, é um dos grandes problemas contemporâneos do Estado brasileiro. Desde 2013, o Congresso alterou sucessivas regras para aumentar sua ingerência sobre o orçamento público, tornando a execução de emendas individuais—alterações na peça orçamentária propostas por parlamentares—obrigatórias e com uma destinação mínima de 2% da receita corrente líquida. O pacote buscava limitar o crescimento das emendas, que saltaram de 0,001% do orçamento em 2015 para 1,8% em 2024. Como era de se esperar, a proposta não foi aprovada. 

Finalmente, a extinção de benefícios tributários enfrentou, como em 2023, a oposição do Legislativo. O texto aprovado proíbe apenas a concessão, ampliação ou prorrogação de incentivos ou benefícios de natureza tributária em caso de apuração de déficit primário do governo.

Os cortes previstos no pacote do governo que sobreviveram à votação do Congresso impactam alguns dos gastos sociais mais importantes para a promoção de justiça social e a redução de desigualdades no Brasil. Entre as medidas aprovadas estão alterações nas regras de pagamento do Bolsa Família, do abono salarial—transferência para trabalhadores formais que recebem até dois salários-mínimos—e do PROAGRO—programa de subsídios a pequenos e médios produtores do setor agropecuário. 

A mudança mais importante, no entanto, foi na regra de valorização do salário-mínimo.11A característica anticíclica do Regime Fiscal Sustentável passa a se refletir também na dinâmica do salário-mínimo: se a expansão da economia for significativa, a taxa média de crescimento do salário-mínimo real será menor; se a economia estiver em crise, será maior. Antes, o valor era corrigido pela inflação do ano anterior somada à média de crescimento do PIB dos dois anos anteriores. O governo propôs que os limites para o crescimento do gasto total previstos pelo RFS fossem aplicados também ao salário-mínimo: crescimento real mínimo de 0,6% e máximo de 2,5%. O impacto disso é significativo porque a maioria dos benefícios sociais e previdenciários é vinculada ao salário-mínimo. Ainda, se o crescimento potencial do Brasil superar o patamar de 2,5%, como no início dos anos 2000, a regra pode atuar como um obstáculo ao aproveitamento dos efeitos de redução de desigualdade associados à valorização do piso legal. Apesar disso, a proposta não enfrentou qualquer resistência no Legislativo.

Em resumo, enquanto privilégios orçamentários foram mantidos, benefícios sociais foram cortados. Só no ano de 2025, os cortes representarão R$ 34 bilhões (US$ 6 bilhões), valor equivalente a 1,6% do orçamento previsto.

A economia política da política fiscal

Os cortes aprovados reduzem o tamanho do Estado em relação ao PIB e limitam a capacidade do Executivo de implementar políticas distributivas e desenvolvimentistas. Mas há também uma questão pertinente à própria sustentabilidade do RFS: cortes em diferentes gastos geram diferentes consequências para a própria regra fiscal.

Cada despesa pública tem um efeito multiplicador distinto, que reflete sua capacidade de gerar um impacto na renda nacional maior que a injeção de demanda inicial. O efeito multiplicador da injeção de demanda pelo governo ocorre quando determinado gasto público  aumenta a renda de certa parcela da população que, em razão disso, eleva seu consumo, gerando um ciclo de gastos e renda contínuos. Benefícios sociais têm alto efeito multiplicador porque são direcionados a pessoas com alta propensão marginal a consumir, impulsionando a circulação e a geração de renda para outros indivíduos.12Cardoso, D. et al. (2025). The Multiplier Effects of Government Expenditures on Social Protection: A Multi-country Study. Development and Change, v. 56, p. 172-224. Investimentos públicos têm alto efeito multiplicador porque geram empregos e induzem investimentos privados.13Iasco-Pereira, H. and Duregger, R. (2024), “Public investment, infrastructure and private investment in Brazil: is there a crowding-in effect?”, EconomiA, Vol. 25 No. 2, pp. 289-308. Gastos com emendas parlamentares, supersalários e isenções fiscais, em contrapartida, são despesas públicas improdutivas, ou seja, têm efeito multiplicador reduzido: implicam geração de renda para pessoas com baixa propensão a consumir ou incentivos meramente indiretos à produção. Estimativas apontam que cada R$ 1 gasto com benefícios sociais no Brasil aumenta o PIB em R$ 2,15 após 25 meses. O efeito dos investimentos públicos é ainda maior, elevando a renda nacional em R$ 2,60. Ou seja, a versão final do pacote de cortes de 2024 não só tem as piores consequências distributivas, mas também os efeitos macroeconômicos mais desfavoráveis.

Além dos efeitos negativos para a economia, a redução da renda resultante dos cortes orçamentários é nociva para a própria regra fiscal. A capacidade de arrecadação do Estado depende amplamente do nível de atividade da economia. O corte de gastos de alto efeito multiplicador revela uma armadilha auto-imposta pelo RFS: uma redução do PIB reduz também a arrecadação e, consequentemente, o espaço para gastos futuros. Se, ao contrário, os cortes recaíssem sobre gastos de baixo efeito multiplicador, seria possível melhorar os indicadores fiscais sem impactar o crescimento econômico—e as desigualdades sociais—tão severamente.

Se os impactos em 2025 já preocupam, o cenário fica ainda mais delicado diante das estimativas orçamentárias para 2026: para cumprir a meta de superávit fiscal de 0,25% do PIB, o governo prevê receitas extras de R$ 118 bilhões (US$ 20,9 bilhões), o que equivale a 3,7% da receita projetada. Caso a expectativa não se realize, é possível que, num futuro próximo, novos cortes no orçamento sejam necessários. Nesse caso, a dinâmica por trás da aprovação do pacote de 2024 sugere quem deve ser afetado e quem deve sair ileso.

Se a avaliação do RFS se resumir a critérios como equilíbrio das contas públicas ou  responsabilidade fiscal, a regra vai bem e entrega o que prometeu: os indicadores de resultado primário vêm caminhando conforme os objetivos estabelecidos. A meta de resultado primário do RFS é determinada por um intervalo de +0,25 e -0,25 ponto percentual em relação a um valor central anualmente proposto pelo governo e aprovado pelo Congresso. Em 2024, a meta era de déficit zero e o governo entregou um déficit de 0,09% do PIB, ou seja, dentro do limite estipulado. No entanto, a macroeconomia do conflito distributivo demonstra como o RFS pode acabar se autossabotando. 

Um arranjo fiscal realmente sustentável deve levar em consideração o efeito multiplicador de diferentes tipos de gastos públicos e o impacto da arrecadação de receitas sobre indicadores-chave da atividade econômica, como renda e emprego. Isso é essencial não só para viabilizar a sustentabilidade da trajetória da dívida pública, mas também para garantir a oferta adequada de bens e serviços públicos. Quando desconsideram esses fatores, políticas de ajuste fiscal arriscam aprofundar desigualdades, comprometer o crescimento da economia e limitar o próprio espaço fiscal futuro. Trinta anos depois, a lição de Maria Conceição Tavares permanece válida: “Uma economia que diz que precisa primeiro estabilizar para depois crescer e depois distribuir é uma falácia—e tem sido uma falácia. Não estabiliza, cresce aos solavancos e não distribui”.



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