8 de maio de 2025

Análises

Planejamento indicativo verde

Economias de mercado precisam de planejamento para sobreviver à crise climática

Transições energéticas em todo o mundo estão diante de um impasse. Com a proposta do governo Trump de revogar a Lei de Redução da Inflação e a mobilização da extrema direita europeia contra a legislação climática existente, a eficácia de um ambientalismo baseado em estratégias de mercado de proporcionar mitigação climática real e sem demora parece cada vez mais improvável. Enquanto o relógio do clima avança, democracias liberais são empurradas em direção a progressismos verdes vagos e cautelosos ou recrudescimentos agressivos e autoritários do modelo de crescimento liderado pelo capitalismo fóssil.

Nesse contexto, em meio a previsões climáticas preocupantes e à falta de resolução das disputas políticas pelo futuro das economias desenvolvidas, nunca foi tão importante vislumbrar caminhos realmente viáveis para a transição verde. Embora alguns economistas da esquerda tenham começado a recorrer a ideias como “planejamento econômico democrático” ou “planejamento ecossocialista” para descrever as instituições capazes de realizar essa transição, o imperativo do planejamento—determinar metas nacionais e internacionais relativas ao tamanho e à composição da produção bruta de vários setores econômicos e alcançar os níveis de gastos públicos e privados necessários para gerar as respostas desejadas em termos de oferta—não tem a reestruturação revolucionária das economias como pré-requisito para a redução de emissões de gases do efeito estufa.1Durand, Cédric, Elena Hofferberth e Matthias Schmelzer. 2024. “Planning Beyond Growth: The Case for Economic Democracy within Ecological Limits”. (<)em(>)Journal of Cleaner Production(<)/em(>) 437: 140351. (<)a href='https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2023.140351'(>)https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2023.140351(<)/a(>). Sobre “planejamento democrático”, ver Nishat-Botero, Yousaf. 2024. “Planning’s Ecologies: Democratic Planning in the Age of Planetary Crises”. (<)em(>)Organization(<)/em(>) 31 (7): 1035–1057. (<)a href='https://doi.org/10.1177/13505084231186749'(>)https://doi.org/10.1177/13505084231186749(<)/a(>). Sorg, Christoph e Jan Groos. 2025. “Rethinking Economic Planning”. (<)em(>)Competition & Change(<)/em(>) 29 (1): 3–16. https://doi.org/10.1177/10245294241273954. Ao contrário, como argumentamos recentemente, a próxima transição energética pode ser planejada pelos Estados como existem hoje, a despeito das limitações que o capital privado—corporações multinacionais, agências de classificação de risco, investidores em títulos soberanos e investidores institucionais globais—pode impor a isso. Na verdade, o planejamento pode ser a via mais direta para que os Estados recuperem o controle sobre o capital privado em benefício do interesse público.

A abordagem de planejamento que propomos é de natureza mais indicativa. É responsiva e complementar às instituições políticas, em vez de tentar suplantá-las, como propuseram tantos programas de transição para o socialismo no século XX. Trata-se da continuidade da longa tradição de planejamento indicativo das sociedades do pós-guerra, amplamente esquecida durante a era do neoliberalismo. A história das economias mistas herdadas da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial mostra que o planejamento econômico e a coordenação intersetorial são possíveis em sociedades liberal-democráticas que administram economias majoritariamente capitalistas. Quando a dimensão hierárquica do planejamento permaneceu fortemente integrada aos processos deliberativos das autoridades políticas existentes, a evolução dessas economias mistas como políticas democráticas lhes permitiu alcançar suas mais resilientes configurações.

Em economias mistas, portanto, o único caminho lúcido para escapar do impasse vigente na política climática global é o compromisso irredutível do Estado com o planejamento econômico. Definimos “planejamento econômico verde” como um sistema de coordenação que abrange arquiteturas macrofinanceiras, políticas industriais e capacidades de planejamento previamente existentes do setor privado. Trata-se de uma forma de gestão política: se adaptadas para ações climáticas ousadas, nossas economias mistas de hoje podem estar tecnicamente equipadas para promover, em um curto espaço de tempo, o hipercrescimento de setores verdes e a eliminação gradual de setores intensivos em carbono.

Historicamente, na Dinamarca, na França, na Holanda e no Japão, a forte coordenação entre Estados e elites empresariais levou a uma série de arranjos de planejamento econômico bem-sucedidos. A China, economia de crescimento mais rápido do mundo (ainda que não democrática), é outro exemplo de planejamento estatal associado a um setor privado altamente empreendedor—e muitas estratégias chinesas não precisam da existência de Estado-partido para serem implementadas. A persistência de determinados modelos de planejamento até o presente sugere quais estratégias podem ser mais facilmente adotadas pelas democracias capitalistas de hoje.

Lições históricas: um manual para o presente

Durante o século XX, o planejamento não foi uma exclusividade soviética, tampouco uma medida estritamente ligada a economias de guerra. No período pós-guerra, diversos governos capitalistas definiram objetivos econômicos transformacionais, facilitaram a negociação entre atores econômicos e influenciaram ativamente as projeções de mercado por meio de instrumentos como crédito estatal, políticas monetárias, subsídios, compras públicas e regulamentação. Ao projetar metas desejadas de investimento e produção para a economia como um todo, esses Estados “indicavam” como o capital privado poderia obter lucros em sincronia com os objetivos nacionais. O emprego desses instrumentos por diferentes países teve variados graus de incentivo e coerção: holandeses e japoneses adotaram modelos de planejamento indicativo menos coercitivos e direcionados do que os franceses, por exemplo.

Nos Países Baixos, o planejamento indicativo se traduziu em planos geográficos flexíveis para padrões de investimento ideais, com a participação de instituições corporativistas no processo decisório.2Mastop, Hans e Rienk Postuma. 1991. “Key Notions Underlying Dutch Strategic Planning”. (<)em(>)Built Environment(<)/em(>) 17. Os planos eram coordenados por instituições governamentais nos níveis municipal, provincial e nacional, sendo que cada uma dessas instâncias desenvolvia sua própria competência de planejamento. Ainda que fosse receptivo à participação de grupos organizados, esse modelo acabou criando uma camada de planejadores de elite especializados e amplamente isolados do escrutínio público ou da interferência política. Embora se distancie da lógica mercadológica das abordagens contemporâneas de descarbonização, por focar no desenvolvimento territorial em vez do intersetorial, essa forma de planejamento seria fraca demais para os propósitos de hoje.

O planejamento indicativo francês, em contrapartida, era mais abrangente e politizado, tendo como objetivo não só o alinhamento das decisões de investimento territorial aos interesses de atores organizados, mas também a transformação estrutural da economia nacional.3Kindleberger, Charles P. 1967. (<)em(>)Europe’s Postwar Growth: The Role of Labor Supply(<)/em(>). Cambridge, MA: Harvard University Press. Os planos eram divididos em três partes: concepção tecnocrática, controle democrático e implementação tecnocrática. Metas de crescimento nacional eram definidas pelo Ministério das Finanças e pelo Comissariado de Planejamento (composto por divisões econômicas e setoriais). O Comissariado reunia comitês temáticos específicos, responsáveis por traçar estratégias para alcançar as metas do plano. Os resultados desse processo inicial eram, então, submetidos à avaliação de um órgão corporativista formado por duzentos representantes de vários grupos de interesse, bem como ao Conselho Superior de Planejamento, que incluía ministros do governo, federações patronais e centrais sindicais. A implementação do plano envolvia a participação de empresas privadas e estatais dos setores de finanças, ferrovias, aviação e eletricidade. Coordenadas sob regras de autonomia, essas empresas precisavam ser convencidas pelo aparato burocrático de que aderir ao plano era realmente vantajoso.

Grandes ativos estatais foram um elemento-chave desse esquema. Como demonstrou o economista Eric Monnet, dois quintos da renda nacional e metade do investimento bruto durante o período do pós-guerra vinham do Estado.4Monnet, Éric. 2012. “Monetary Policy without Interest Rates: Evidence from France’s Golden Age (1948–1973) Using a Narrative Approach”. (<)em(>)EHES Working Papers(<)/em(>) nº 32. European Historical Economics Society. Aproveitando que controlava o crédito, o Estado usou o aparato de planejamento para selecionar os setores que se beneficiariam de financiamento barato e de longo prazo. O Comissariado de Planejamento, o Conselho de Crédito, o Banco Central e os bancos estatais atuavam em sincronia, envolvendo agentes privados no processo. O Banco Central Francês, por exemplo, mediante instrumentos como alocação e políticas seletivas de crédito, desempenhou um papel crucial na orientação do crescimento econômico, na modernização industrial e na transformação estrutural, levando a França aos mais altos postos do prestígio industrial global na década de 1970.5Monnet, Éric. 2018. (<)em(>)Controlling Credit: Central Banking and the Planned Economy in Postwar France, 1948–1973(<)/em(>). Cambridge: Cambridge University Press. Após a crise do petróleo de 1973, a transformação sistêmica do setor energético francês foi absolutamente espetacular, alcançando a ampla substituição das fontes fósseis pela energia nuclear em pouco mais de quinze anos, mesmo com um aparato de planejamento já bastante afetado pela liberalização.6Hecht, Gabrielle. 2009. (<)em(>)The Radiance of France: Nuclear Power and National Identity after World War II(<)/em(>). Cambridge, MA: MIT Press. Foi um modelo de Estado desenvolvimentista no qual o governo, atuando como banqueiro, planejador e proprietário de ativos industriais essenciais, dirigiu, da manufatura à infraestrutura, transformações estruturais. O Estado liderava esse processo, mas o capital privado tinha ganhos tão substanciais que efetivamente convenciam seus representantes a participar do planejamento: entre 1954 a 1974, retornos marginais sobre o capital em cada setor apresentaram correlação positiva em em todos os anos da amostra.7Monnet, Éric. 2012. “Monetary Policy without Interest Rates”.

O sucesso da economia japonesa do pós-guerra, por sua vez, resultou de uma estratégia no meio do caminho entre Holanda e França. Como a França, o Japão utilizou o planejamento indicativo durante a fase de indústria nascente; mas, ao contrário do Estado francês, audaciosamente dirigista, o aparato de planejamento do japonês tinha ambições indicativas mais modestas, limitando sua intervenção à imposição de restrições aos cartéis, à garantia de financiamento público de longo prazo para a política industrial e à participação em equipes de pesquisa de diversas empresas.8Sato, Kazuo. 1990. “Indicative Planning in Japan”. (<)em(>)Journal of Comparative Economics 14(<)/em(>) (4): 625–647. O fato de ter o Estado organizando a eliminação gradual das indústrias em declínio, como a do carvão, já na década de 1960, foi essencial para o planejamento verde no Japão. Assim como na França, o planejamento japonês começou a se desenvolver em um contexto de militarismo e catástrofe, com a criação de uma agência de planejamento em 1937, quando já se antecipava a iminência da guerra. Como consequência da guerra, a imensa escassez de bens e a destruição industrial generalizada garantiram a continuidade do planejamento econômico durante a ocupação estadunidense e, de maneira mais sutil, depois que o Japão recuperou sua independência, em 1952. Assim como a França, até os últimos momentos que precederam a era neoliberal, o Japão elaborou planos indicativos de cinco anos e adotou instrumentos baseados em gastos, impostos, crédito público e orientação administrativa para colocá-los em prática. Esses planos contribuíram para a diversificada e complexa expansão industrial japonesa em setores novos e de alto valor agregado ao mesmo tempo em que estabilizaram o crescimento e equilibraram o ciclo econômico. Mas, ao contrário da França, o grau de dirigismo institucional centralizado na fase de implementação era mais limitado.

Da Europa Ocidental ao Japão, o planejamento indicativo lançou as bases para a recuperação no pós-guerra e para a subsequente modernização industrial, com a coordenação de políticas macrofinanceiras e industriais liderada por burocracias centrais operando entre os imperativos da responsabilização e da autonomia tecnocrática. O que levou esse sistema de planejamento à crise no final da década de 1970 foram os processos combinados de estagflação, não previstos pelos dispositivos de prognóstico dos planejadores, além da financeirização da dívida pública e da ascensão ideológica do neoliberalismo. Hoje, países que levam a descarbonização a sério têm muito a ganhar com a reconstrução dessas capacidades de planejamento sobre os pilares das experiências seletivas de planejamento setorial que sobreviveram nos interstícios do neoliberalismo.

Estado de desenvolvimento verde

O modelo francês de coordenação intersetorial encontra nas políticas chinesas a sua expressão contemporânea. Como a China é responsável por 90% do crescimento das emissões globais desde 2015, o redirecionamento dos recursos monetários e financeiros do país para a economia verde tem importância planetária.9Helveston, John e Jonas Nahm. 2019. “China’s Key Role in Scaling Low-Carbon Energy Technologies”. (<)em(>)Science(<)/em(>) 366: 794–796. (<)a href='https://www.jstor.org/stable/26845194'(>)https://www.jstor.org/stable/26845194(<)/a(>). Felizmente, o governo chinês se lançou em uma histórica transformação ecológica de seu aparato de planejamento, produzindo resultados notáveis, entre eles a maior descarbonização do mundo no setor de transportes e a maior expansão de infraestrutura de energia limpa registrada até o momento. Mesmo com Trump encerrando a participação dos Estados Unidos na transição verde—e provavelmente carregando alguns aliados consigo—, a poderosa máquina de investimentos da China permanece predominantemente voltada para a descarbonização.

A versão chinesa do “ambientalismo desenvolvimentista” é estruturada por planos de cinco anos e cumprida por canais macroeconômicos, administrativos e financeiros atuando sob uma combinação de controle administrativo e incentivos corporativos, fazendo com que o modelo se beneficie tanto da centralização quanto da descentralização.10Thurbon, Elizabeth, Sung-Young Kim, Hao Tan e John A. Mathews. 2023. (<)em(>)Developmental Environmentalism: State Ambition and Creative Destruction in East Asia’s Green Energy Transition(<)/em(>). Oxford: Oxford University Press. Nesse sentido, as instituições chinesas de planejamento dependem da mobilização das partes interessadas de baixo para cima, nos níveis provincial e municipal, com poucos mandatos centralizados no que diz respeito à implementação das políticas.11Zhang, Marina, Mark Dodgson e David Gann. 2022. (<)em(>)Demystifying China’s Innovation Machine: Chaotic Order(<)/em(>). Oxford: Oxford University Press. Governos provinciais e municipais dotados de instituições financeiras próprias, que incluem empresas de capital de risco voltadas à inovação, trabalham com empresas públicas e privadas numa grande teia de experimentos econômicos12Li, Xuan e Cornel Ban. 2025. “Financing Technological Innovation in China: Neo-Developmental Financial Statecraft through Government Guidance Funds”. Trabalho apresentado no Global Development Policy Center. Boston, MA. No prelo. que, apesar de todas as ineficiências, colocou a China em uma posição de liderança em termos de inovação, implementação doméstica e supremacia global no setor de tecnologia limpa.13Helveston, John e Jonas Nahm. 2019. Na busca por práticas de planejamento mais efetivas, mecanismos de coordenação como os da China, responsáveis por um sistema nacional de inovações tecnológicas que chegam rapidamente à produção em massa e ao varejo—frequentemente abalando as bolsas de valores ocidentais—merecem uma análise atenta. Em vez de ser tratado como anomalia exótica, o sistema chinês deveria ser estudado em profundidade.

Talvez a característica mais surpreendente seja a dependência do sistema de planejamento chinês de uma arquitetura macrofinanceira semelhante à francesa: alocação de crédito em condições favoráveis para setores estratégicos definidos pelos planos periódicos e controle público das instituições financeiras sistemicamente importantes. Atuando no interior desse arranjo, o Banco Popular da China foi pioneiro na política monetária verde, reduzindo o custo de capital para atividades e atores econômicos verdes.14Macaire, Camille e Allain Naef. 2023. “Greening Monetary Policy: Evidence from the People’s Bank of China”. (<)em(>)Climate Policy(<)/em(>) 23 (1): 138–149. (<)a href='https://doi.org/10.1080/14693062.2021.2013153'(>) https://doi.org/10.1080/14693062.2021.2013153(<)/a(>). Desde 2015, a forma como o planejamento indicativo intersetorial do governo—apoiado por recursos e incentivos (“cenouras”) de bancos e empresas estatais—tem sido direcionado para recalibrar a economia e transferir investimentos para indústrias de ponta no setor de tecnologia limpa revela uma inédita combinação das ideias de Marx e Schumpeter.15Li, Xuan e Cornel Ban. 2025. Nesse processo, apesar da forte instrumentalização das redes financeiras globais pelos Estados Unidos com o objetivo de restringir a ascensão da China,16Petry, Johannes. 2024. “China’s Rise, Weaponized Interdependence, and the Increasingly Contested Geographies of Global Finance”. (<)em(>)Finance and Space(<)/em(>) 1 (1): 49–57. (<)a href='https://doi.org/10.1080/2833115X.2023.2296439'(>) https://doi.org/10.1080/2833115X.2023.2296439(<)/a(>). a financeirização passou a ser conduzida pelo Estado como um instrumento para acelerar a descarbonização.17Beck, Kasper Ingeman e Mathias Larsen. 2025. “Financialization and an Emerging ‘Green Investor State’: Examining China’s Use of State-Backed Funds for Green Transition”. (<)em(>)Regulation & Governance(<)/em(>) 19 (2). (<)a href='https://doi.org/10.1111/rego.12625'(>)https://doi.org/10.1111/rego.12625(<)/a(>).

Vale destacar que o regime de financiamento de inovação da China é dominado por empresas de capital de risco estatais, e não privadas, desafiando relatos céticos que questionam a capacidade do Estado autoritário chinês de promover a inovação tecnológica verde de baixo para cima. Para alcançar isso, a China depende fortemente da conversão em larga escala e de cima para baixo de ativos estatais em capital de risco de maneira integrada aos processos de planejamento central e provincial. Além disso, depende da execução de investimentos geográfica e setorialmente direcionados, viabilizada pelas várias instâncias administrativas existentes no interior do Estado.18Li, Xuan e Cornel Ban. 2025.

Vias democráticas

Quando se é cético em relação à capacidade de coordenação, pode-se pensar que as democracias são muito fragmentadas, muito lentas, muito… democráticas para sustantar formas robustas de planejamento. Sob essa ótica, o Estado-partido chinês é considerado um guia inadequado para os governos ocidentais. No entanto, como argumenta Thea Riofrancos, as democracias são bem adequadas ao planejamento porque, por serem sistemas mais transparentes e responsáveis, permitem fluxos de informações precisos e reduzem os incentivos à divulgação imprecisa de resultados da ação estatal.19Riofrancos, Thea. 2025. “The Perils of Climate Alarmism”. (<)em(>)Journal of Democracy(<)/em(>) 36 (1): 169–174. (<)a href='https://dx.doi.org/10.1353/jod.2025.a947892'(>)https://dx.doi.org/10.1353/jod.2025.a947892(<)/a(>). A elogiada transformação do sistema energético da Dinamarca é prova disso.20Sperling, Karl, Frede Hvelplund e Brian Vad Mathiesen. 2011. “Centralisation and Decentralisation in Strategic Municipal Energy Planning in Denmark”. (<)em(>)Energy Policy(<)/em(>) 39 (3): 1338–1351. (<)a href='https://doi.org/10.1016/j.enpol.2010.12.006'(>) https://doi.org/10.1016/j.enpol.2010.12.006(<)/a(>). Ao unir centralização e participação popular, o país conseguiu aliar eficiência e legitimidade. A Dinamarca tem o sistema energético mais sustentável e seguro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), resultado de um processo de planejamento energético desenvolvido desde a década de 1970. A Agência Dinamarquesa de Energia (DEA) está no centro administrativo do aparato de planejamento. Ela implementa planos plurianuais para todos os setores relevantes de produção, transmissão e utilização de energia no país. A elaboração fica por conta do Ministério da Energia, que fornece à DEA Planos Nacionais de Energia e Clima já discutidos com atores democráticos (partidos políticos representados no legislativo dinamarquês) e tecnocráticos (agências de regulação dos serviços públicos, órgãos oficiais de estatística e institutos de meteorologia, por exemplo). Com os planos em mãos, a DEA usa modelos matemáticos para criar diferentes cenários de implementação e os submete à apreciação de municípios, empresas e fornecedores independentes que atuam como produtores de energia. No final, após uma última rodada de consultas regionais com os países nórdicos e a União Europeia, o Parlamento Dinamarquês debate e aprova cada plano.

O modelo de administração adotado pela DEA permite que os planos plurianuais sirvam de base para decisões relacionadas a subsídios, empréstimos, subvenções e isenções fiscais (e, respectivamente, aumentos de impostos sobre combustíveis fósseis), bem como para regulamentações favoráveis a investimentos em energia renovável e desfavoráveis a setores poluentes.21Krog, Louise, and Kyle Sperling. 2019. “A Comprehensive Framework for Strategic Energy Planning Based on Danish and International Insights”. (<)em(>)Energy Strategy Reviews(<)/em(>) 24: 83–93. (<)a href='https://doi.org/10.1016/j.esr.2019.02.005'(>) https://doi.org/10.1016/j.esr.2019.02.005(<)/a(>). O planejamento verde dinamarquês maximiza a contribuição democrática não apenas em nível nacional, mas também em nível municipal, no qual grande parte da política industrial verde se desenrola. Usando garantias de empréstimos da estatal Energinet.dk, a gricultores e moradores de municípios produtores de energia foram organizados em cooperativas, o que deu à política uma faceta democrática ainda mais forte.22Sovacool, Benjamin K. 2013. “Energy Policymaking in Denmark: Implications for Global Energy Security and Sustainability”. (<)em(>)Energy Policy(<)/em(>) 61: 829–839. (<)a href='https://doi.org/10.1016/j.enpol.2013.06.106'(>)https://doi.org/10.1016/j.enpol.2013.06.106(<)/a(>). À medida que a evolução dessa transformação passou a exigir investimentos financeiros maiores, a base econômica que sustentava esse modelo—mais comunitário e democrático—foi corroída. Um Estado redutor de riscos passou a existir paralelamente ao Estado planejador, ainda que a erosão do planejamento democrático tenha sido mais uma escolha do que uma fatalidade.23Kirkegaard, Kirch, Tom Cronin, Sophia Nyborg e Peter Karnøe. 2023. “Paradigm Shift in Danish Wind Power: The (Un)Sustainable Transformation of a Sector”. (<)em(>)Journal of Environmental Policy & Planning(<)/em(>) 23 (1): 97–113. (<)a href='https://doi.org/10.1080/1523908X.2020.1799769'(>)https://doi.org/10.1080/1523908X.2020.1799769(<)/a(>). O caso de descarbonização do setor energético da Dinamarca é um exemplo de como a centralização não precisa levar a impulsos autoritários. Ao contrário, a lição dinamarquesa é justamente que um processo acelerado de centralização pode ser acompanhado de uma ampliação da participação democrática, tanto em relação ao processo de planejamento em si quanto em termos de coletivização dos resultados.

E agora, para onde vamos?

O planejamento verde não é apenas um compromisso teórico. Ao contrário, tem exemplos práticos de sucesso em meio a adversidades históricas bastante específicas: guerra, recuperações pós-guerra, crises energéticas e até mesmo o colapso do socialismo de Estado. No entanto, esses casos também ilustram como, sob um sistema capitalista, a legitimidade do planejamento intersetorial frequentemente depende de crises existenciais. Há um risco de que a urgência da catástrofe acabe capturando as elites e dando voz a tendências autoritárias. Exatamente por isso, é essencial que haja uma agenda de pesquisa do planejamento econômico verde voltada a investigar os caminhos possíveis para equilibrar desafios geopolíticos e legitimidade democrática.

Essa agenda pode se desdobrar em três dimensões. Primeiro, precisamos de um trabalho mais detalhado sobre as instituições de coordenação hierárquica que historicamente caracterizaram o planejamento indicativo, a fim de oferecer mais do que meros esquemas teóricos de instituições de planejamento verde. Estudos de caso permitiram, por exemplo, sugerir caminhos para que essas instituições de coordenação empreguem instrumentos relacionados a condições de crédito, garantias de liquidez público-privada (liquidez emitida por instituições financeiras e lastreada por bancos centrais), capacidade de socializar funções de inovação, maior propriedade estatal em finanças e energia, ou capacidade de atrair e coagir o financiamento privado para alinhar as metas estatais de descarbonização aos incentivos comerciais. Sob essa ótica, a descarbonização pode ser encarada como parte de um sistema hierárquico funcional que tem as instituições de coordenação do planejamento estatal no topo, o regime macrofinanceiro no meio e a política industrial ou as políticas econômicas destinadas ao setor privado na base. As incertezas geopolíticas de hoje fizeram com que esse tipo de capacidade estatal, que vinha de uma trajetória de queda desde seus dias áureos no pós-guerra, voltasse a ser reivindicada. A questão é que a compreensão de seu atual significado é bastante incipiente. Nesse cenário, é essencial reconciliar a natureza hierárquica das instituições de coordenação com os imperativos da competição geoeconômica e da legitimidade democrática.

Em segundo lugar, o planejamento econômico verde indica que as grandes corporações que lideram emaranhados de operações multinacionais talvez sejam os laboratórios experimentais perfeitos para a revisão da antiga objeção neoclássica de que as interações de mercado são simplesmente complexas demais para que o Estado as planeje. Na verdade, nas economias capitalistas, uma abordagem de planejamento microfundamentada, munida dos instrumentos de cálculo atuais, poderia contornar elegantemente as objeções liberais ao cálculo socialista.24Morozov, E., 2019. Digital socialism? The calculation debate in the age of big data. New left review, 116, 33–67. Sem dúvida, extrapolar o planejamento do nível empresarial para a coordenação intersetorial como defendemos é um desafio hercúleo. Tecnocracias, frequentemente limitadas por sua própria inércia institucional, podem instintivamente recuar diante da gigantesca escala dessa tarefa. No entanto, numa era de revoluções tecnológicas, objeções dessa natureza não podem simplesmente encerrar a conversa. Ao contrário, devem nos conscientizar de que chegamos a um ponto de inflexão na história, no qual as próprias ferramentas dessa revolução, como a inteligência artificial, podem ser recrutadas para servir aos objetivos da descarbonização. Afinal, se levarmos as promessas da inteligência artificial a sério, seu grande feito certamente não será dominar apenas os chatbots, mas também as ferramentas de cálculo empregadas pelos planejadores.

Outro fator crucial é que a dimensão hierárquica do planejamento deve se restringir à fase de implementação. Na França, a faceta democrática do planejamento poderia ter sido dificuldada pelo próprio ambiente democrático do país, marcado por um amplo pluralismo político e por ferrenhas disputas entre grupos de interesse diversos. Ainda que tenha nascido à sombra do poder tecnocrático, o desenvolvimento do sistema de planejamento ao longo dos anos mostrou que estava à altura desses desafios, particularmente durante os “Trinta Anos Gloriosos” (1940-1970). Notavelmente, tecnocratas, comunistas, liberais, capitalistas, sindicalistas e acadêmicos sentavam à mesa juntos. Antes que a lógica hierárquica da implementação assumisse o controle, a fase de deliberação pública era repleta de debates vigorosos e, muitas vezes, francamente desagradáveis. No entanto, foi precisamente esse processo contencioso que conferiu legitimidade ao sistema de planejamento, demonstrando que um engajamento democrático robusto poderia não só coexistir com uma coordenação econômica eficaz, mas de fato sustentá-la.

Em terceiro lugar, se nossas premissas estiverem corretas, Estados com instituições frágeis e um grau de articulação público-privada insatisfatório fariam bem em fortalecer primeiro as instituições e só então dar o pontapé inicial do planejamento verde, porque o fracasso nesse âmbito acarretaria não apenas riscos de reveses operacionais, mas também de perda de legitimidade do planejamento em sentido mais amplo. Isso dito, deficiências dessa natureza não são imutáveis. A mobilização política tem o potencial de preencher essas lacunas, e pesquisas em torno dessa agenda poderiam explorar, de forma bastante oportuna, como essa mobilização poderia se desenrolar sob as pressões simultâneas da competição geoeconômica e da degradação climática.

Em quarto lugar, há uma necessidade premente de aprofundar o escopo do planejamento nos países do Sul global, onde as restrições estruturais são enormes—de camisas de força impostas pelos regimes comerciais globais e regionais ao protecionismo geopolítico das economias centrais, passando pela implacável financeirização da dívida pública. O desafio é, de fato, descomunal, mas as oportunidades de descobrir estratégias de planejamento que libertem os países dessas restrições e abram caminhos para um desenvolvimento sustentável e equitativo são tão grandes quanto. O contexto histórico atual pode fazer com que essas promessas soem vazias, mas poucas pessoas que estudaram a Coreia ou Singapura na década de 1950 teriam esperado ver Estados desenvolvimentistas de alto desempenho florescerem ali a partir da década de 1960.

Por último, mas não menos importante, o planejamento econômico verde, apesar de todas as suas promessas, carrega consigo o espectro do exagero tecnocrático e da captura corporativa, um dilema conhecido por qualquer pessoa que tenha familiaridade com a história da porta giratória entre governos e mercados. O desafio é responder a algumas perguntas muito claras: que instrumentos podem ser usados pelos Estados democráticos para impor limites rígidos à captura corporativa sem desencadear uma greve de investimentos que acabe travando as próprias transformações sustentáveis? Se o financiamento privado é coautor da arquitetura macrofinanceira da descarbonização, quais as ferramentas disponíveis para que as instituições de planejamento mantenham os financiadores sob controle? Ainda, quando setores de alta emissão enfrentarem as inevitáveis consequências dos projetos de transição, como garantir que os trabalhadores e as comunidades que deles dependem sejam democraticamente representados e adequadamente compensados, sem que o sacrifício do caráter democrático do projeto vire um dano colateral da sua própria implementção? E, finalmente, como as instituições de planejamento podem incorporar e estimular práticas verdes democraticamente desenvolvidas em prefigurações municipais e regionais, como sugere a emergente teoria do planejamento do decrescimento,25Durand, Cédric, Elena Hofferberth e Matthias Schmelzer. 2024., ao mesmo tempo em que garantem a homogeneidade territorial que a descarbonização efetiva implica?26Savini, Federico. 2024. “Strategic Planning for Degrowth: What, Who, How”. (<)em(>)Planning Theory(<)/em(>) 0 (0). (<)a href='https://doi.org/10.1177/14730952241258693'(>)https://doi.org/10.1177/14730952241258693(<)/a(>).

Essas não são meras perguntas retóricas; elas tocam no cerne de como a economia política deve evoluir para enfrentar a crise climática. As respostas, se surgirem, exigirão que rompamos nossos redutos de pesquisa para encarar de frente o terreno desordenado e disputado da governança climática. A pauta de pesquisa que propomos se baseia na tradição do planejamento indicativo não apenas para mapear as complexidades do planejamento verde, mas para alcançar um horizonte normativo no qual aspirações democráticas sejam não apenas preservadas, mas também amplificadas diante dos desafios ambientais existenciais.

O Estado verde deve emergir das cinzas tanto do Estado redutor de riscos quanto do seu antagonista fóssil, não como um anacronismo, mas como um instrumento de sobrevivência. A escolha será clara: planejar um futuro de resiliência ou nos resignar ao caos e aos perigos de uma adaptação climática sob regimes autoritários.

Esse ensaio é uma adaptação de um artigo publicado na edição de abril da New Political Economy.

Tradução: Heci Regina Candiani

Leitura adicional
A transição verde possível 

O Brasil na nova ordem energética mundial

Coordenação no caos

Política industrial verde em um mundo fragmentado

Estado e desenvolvimento

Política industrial contemporânea e desafios para a economia brasileira


O Brasil na nova ordem energética mundial

A transição para uma economia verde significa uma janela histórica de oportunidade para que o Brasil promova uma mudança estrutural efetiva.

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Política industrial verde em um mundo fragmentado

Os primeiros 100 dias do segundo governo Trump indicaram que os próximos meses, talvez anos, serão marcados uma crescente fragmentação política e econômica. Mas, apesar das incertezas, políticas industriais “verdes”…

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Política industrial contemporânea e desafios para a economia brasileira

O desenvolvimento chinês gerou impactos contraditórios para o Brasil, contribuindo para a configuração de um modelo de crescimento distinto do que marcou a fase mais industrializante do país—sobretudo na década…

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