Desde que o Hamas lançou seu ataque contra o sul de Israel em 7 de outubro de 2023, questões sobre a capacidade de dissuasão pairam sobre a região: quem a detém, em que consiste e como o equilíbrio de forças poderá ou não levar a uma guerra regional cada vez mais ampla.
Nenhum ator regional suscitou o espectro de um arranjo de dissuasão de maneira mais clara que o Hezbollah. Tão logo Israel deflagrou o genocídio contra os palestinos em Gaza, a possibilidade de uma guerra de “segunda frente” no norte do território israelense entrou em cena: Netanyahu buscará uma escalada do conflito, a fim de satisfazer uma população faminta por guerra e uma coalização política extremista? O Hezbollah, ao lado de outros membros do Eixo da Resistência, pressionará por um acirramento da tensão militar? As escaladas retóricas, midiáticas e de operações militares abrem caminhos para a guerra ou são mecanismos de gestão prolongada de uma dissuasão mútua?
Na entrevista a seguir, o escritor e advogado Dylan Saba e o editor da Phenomenal World, Jack Gross, conversam com Nicholas Noe sobre esses possíveis desdobramentos, o crescimento do Hezbollah e a possibilidade de uma guerra “total” entre a organização libanesa e as Forças de Defesa de Israel (FDI). Nicholas Noe é diretor da Foundation for Global Political Exchange e da plataforma de tradução Mideastwire.com, além de membro sênior da Refugees International. Escreveu uma série de artigos e comentários sobre o Líbano e a região e editou o livro Voice of Hezbollah: The Statements of Sayyed Hassan Nasrallah [“A voz do Hezbollah: as declarações de Sayyed Hassan Nasrallah”, sem tradução para o português], publicado em 2007.
Entrevista com Nicholas Noe
Jack gross: Apesar das falas que, desde 7 de outubro, pregam a necessidade de conter a conflagração regional, há um conflito muito ativo na fronteira entre Israel e o Líbano, com muitas baixas, destruição de infraestruturas e de zonas agrícolas e despovoamento significativo em ambos os lados. O que está acontecendo no sul do Líbano e no norte de Israel desde outubro?
nicholas noe: Essa é uma pergunta difícil de responder, porque há vários pontos de vista implicados: dos israelenses e libaneses de ambos os lados da fronteira, dos residentes de Beirute, e dos residentes dos campos palestinos, instalados há quase 80 anos no Líbano, especialmente no campo de Rashidieh, perto de Tiro. Não é fácil responder quem está sendo afetado, de que maneira, e o que esse conflito significa para essas pessoas.
Basicamente, desde 8 de outubro o Hezbollah e Israel vêm trocando acusações. Relatórios estimam que mais de 95 mil libaneses foram deslocados do sul de seu país e 60 mil israelenses do norte do seu. Os ataques israelenses mataram mais de 300 libaneses, enquanto os ataques do Hezbollah mataram 30 israelenses. Milhares de casas foram destruídas no sul do Líbano e centenas de ataques com fósforo branco devastaram terras agrícolas. No mês passado, as FDI anunciaram a aprovação de seu plano de ataque em grande escala ao sul do Líbano.
Mas, de um ponto de vista estratégico-militar, o que temos é uma situação sem precedentes no chamado conflito árabe-israelense: pela primeira vez, um grupo do lado árabe conseguiu assegurar militarmente o que o lado israelense chama de “zona tampão”. Isso é de extrema importância. Muito do que ocorreu nos últimos nove meses foi previsto por analistas, mas essa é uma situação que não tem precedentes e é profundamente significativa. O estado das coisas agora é muito diferente do que era há cinco, dez ou vinte anos—e isso é consequência de uma transformação no equilíbrio de poder militar.
Dylan saba: Você pode falar mais sobre a zona tampão e por que esse é um desenvolvimento significativo?
NN: O fundamental é que, pela primeira vez, digamos, na história contemporânea de Israel, seus oponentes criaram de fato uma área dentro do que Israel considera serem suas fronteiras que não pode ser habitada por israelenses. Isso nunca ocorreu antes e tem uma enorme influência sobre o desejo ou a disposição de Israel de intensificar o confronto com o Hezbollah.
Ds: Podemos dar um passo atrás? O que é o Hezbollah, como força política e militar no Líbano e na região de maneira mais ampla?
NN: O Hezbollah é um partido político e uma organização militar xiita libanesa que surgiu em 1982, durante a guerra de Israel contra o Líbano. Graças a uma importante ampliação de suas capacidades, se tornou um ator regional e internacional decisivo. Hoje, Israel, um aliado importante da principal superpotência do mundo, é incapaz de adotar uma ação militar resolutiva contra o Hezbollah, porque a organização conquistou uma mudança significativa no equilíbrio de poder e uma vantagem militar qualitativa.
O Hezbollah é uma força importante cujo poder só cresceu nos últimos vinte anos, crescimento que foi possibilitado, eu diria, pela incapacidade de outros atores de abordar problemas estruturais e queixas subjacentes que existem há muitas décadas.
jg: Você poderia falar mais sobre esse crescimento? Como os fatores políticos e econômicos da região, o envolvimento do Hezbollah na Síria e o aprofundamento da relação com o Irã levaram ao avanço de suas capacidades militares?
NN: Do ponto de vista militar, o Hezbollah se provou muito competente em termos de aprendizagem e construção de capacidades. Demonstrou isso quando esteve sob grande ameaça em 2005, momento no qual o exército sírio foi expulso do Líbano. Demonstrou isso durante o governo de seu suposto aliado Bashar- al Assad, durante a ditadura da Síria de 2011, e segue demonstrando no presente. Eles assimilaram e desenvolveram sua força. E as queixas subjacentes que fazem do Hezbollah um ator eficaz não encontraram soluções políticas duradouras—o fracasso em produzir essas soluções, especialmente em 1999 e 2000, está na origem do que ocorre hoje.
Em fevereiro e março de 2000, quando Hafez al-Assad viajou para Genebra para negociar um acordo de paz entre Síria e Israel, Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, deu duas entrevistas cruciais. Se esse acordo tivesse se efetivado, seus efeitos teriam se estendido sobre o Líbano, porque a Síria tinha 30 mil soldados e dezenas de milhares de agentes de polícia secreta no país. Na época, o Hezbollah era um ator relativamente frágil.
Nessas entrevistas, Nasrallah disse que, se a Síria aceitasse um acordo de paz, o Hezbollah continuaria a resistir ao programa sionista: eles protestariam contra essa normalização e rejeitariam a presença de israelenses no sul do Líbano. Um jornalista do jornal egípcio Al-Ahram perguntou a ele de maneira provocativa: “O que o senhor fará se houver uma bandeira israelense em uma embaixada israelense no centro de Beirute?”. Esse era o rumo que a região parecia estar tomando. Nasrallah respondeu que o Hezbollah resistiria e organizaria conferências em oposição, mas, para bom entendedor, o subtexto era que eles não colocariam carros-bomba na embaixada israelense. Em 2000, os sírios tinham a dominância do poder no Líbano, gostasse o Hezbollah ou não.
Nasrallah observou ainda que Israel não seguiria o caminho da paz. Ele estava certo, é claro. Não houve paz em 2000, o caminho traçado pela Síria desmoronou, assim como os acordos de Camp David. Em maio de 2000, os israelenses deixaram o Líbano sem um acordo de paz sob fogo do Hezbollah: foi a primeira vez que uma força árabe expulsou forças israelenses de territórios ocupados.
A aposta do Hezbollah desde então se baseia na crença de que o projeto sionista israelense entrará em colapso. Isso está expresso no infame discurso da “teia de aranha”, no qual Nasrallah afirmou que “Israel, com suas armas nucleares e a força aérea mais poderosa da região, é mais frágil que uma teia de aranha”. Isso foi há 24 anos—antes do 11 de setembro, antes da guerra global contra o terrorismo liderada pelos EUA (que teve enormes efeitos na região), antes de Obama e da promessa de uma nova détente, antes do Daesh, antes da Primavera Árabe. Nenhum desses eventos pôs em xeque essa afirmação fundamental. As declarações de Nasrallah sempre desafiavam outros líderes a seguir um caminho pacífico, o que acabaria com a razão de ser do Hezbollah. Mas, infelizmente, como ele estava certo em afirmar, esse caminho parece não estar disponível.
Ds: Quais são exatamente essas queixas subjacentes? Em que sentido elas são insolúveis? E, se forem, isso já era algo dado desde 2000 ou o que ocorreu a partir de 7 de outubro abriu um novo caminho de confronto entre o Hezbollah e Israel?
NN: O Hezbollah tem uma série de interesses distintos. Entre eles, por exemplo, certamente está a preservação da República Islâmica do Irã e de seu poder, mesmo que isso venha a significar o desenvolvimento de um programa nuclear. São interesses relacionados ao seu próprio futuro como organização. Mas no cenário atual, como em outros, uma redução das fontes de conflito—nesse caso, o programa nuclear—reduziria o seu potencial de agir de acordo com esses interesses.
Pessoalmente, o que eu desejo é uma resolução justa, que reconheça os direitos palestinos e trate da ocupação israelense que, obviamente, é a queixa fundamental—a fonte fundamental do conflito regional. Mas, se fossem espertos, israelenses e estadunidenses poderiam ter usado a questão nuclear iraniana para esfriar as causas que permitiram ao Hezbollah se tornar tão “perigoso” quanto é hoje.
O Hezbollah reivindica o direito de resistir à ocupação israelense porque as fazendas de Sheba’a, Kfarchouba e Shmail Ghajar (norte de Ghajar) estão ocupadas por Israel. Os israelenses poderiam—em uma hora—acabar com a reivindicação legal do Hezbollah de lutar para libertar o território ocupado. Poderiam fazer isso em uma hora, mas não o fizeram nos vinte e quatro anos que passaram desde que deixaram o sul do Líbano. Podemos ter uma longa discussão sobre a justificativa de Israel para isso, mas o ponto é que eles poderiam facilmente resolver essa situação se deixassem esses territórios, que não são como Jerusalém, a Judeia ou a Samaria. Não fazem parte da grande causa israelense. E os libaneses que se opõem ao Hezbollah recomendam que Israel faça justamente isso: acabe com sua razão de ser! Coloque esse território sob a tutela da ONU! O próprio Nasrallah disse isso em 2000: “Basta os israelenses saírem de Sheba’a. Então, o governo israelense pode vir e dizer: ‘Ainda ocupamos alguma terra libanesa?’ Os libaneses terão de responder: ‘Não’. E o assunto estará encerrado”.
Se Israel é incapaz de fazer uma concessão política para atender a uma queixa tão pequena como essa, que não sacrifica nenhuma vantagem estratégica, então as perspectivas de qualquer esfriamento parecem ínfimas.
Ds: Uma vez que os diálogos sobre o cessar-fogo entre Israel e o Hamas praticamente morreram—o governo de Netanyahu não se mostra interessado em levá-los adiante—, a impressão que fica é que Israel e os EUA e tentarão alavancar o que vem sendo vendido como uma resolução unilateral, ou um quase cessar-fogo, por parte dos israelenses, para acalmar o acirramento do conflito no norte. Isso parece um grande tiro no escuro. Você vê algum caminho para a esfriar as tensões que prescinda de um acordo bilateral de cessar-fogo entre Israel e o Hamas?
NN: O caminho para esfriar tensões entre Hezbollah e Israel passa por um acordo com o Hamas em Gaza, ponto final. O Eixo da Resistência é uma frente coordenada, e sua estratégia conjunta está funcionando, apesar da evidente devastação provocada pela guerra. Se haverá ou não um cessar-fogo duradouro, é algo que tem a ver com os interesses articulados do Hamas e de seus aliados, incluindo, entre eles, a Jihad Islâmica Palestina, o Hezbollah e o Irã. Pode ser que eles cheguem a um acordo amplo aparentemente durável, mas que, na prática, acabe sendo bastante temporário.
Uma coisa que os analistas parecem não perceber é o fato elementar de que esses atores estão em uma guerra. O Hezbollah e o Hamas não são atores políticos movidos pela necessidade de esfriar tensões. São atores militares que consideram os meios militares como saída única para o conflito. E é claro que, para suas contrapartes israelenses, isso também é verdadeiro, e talvez seja ainda mais verdadeiro: eles partilham a crença de que o militarismo é a única resposta.
Ds: Israel parece genuinamente aberto à possibilidade de uma frente de guerra no norte e, se isso acontecer, não imagino que estejamos à beira de uma vitória rápida do Eixo da Resistência. Se Israel acabar cruzando a fronteira com o Líbano para erradicar o Hezbollah no sul do país, a situação pode evoluir para uma guerra de atrito—uma guerra que coloca enorme pressão sobre Israel em termos da sua superextensão militar e do ônus econômico de mobilizar tantas reservas. Qual é o cálculo do Hezbollah nesse sentido? Eles desejam atrair Israel para uma longa guerra de atrito que acelere o colapso que estão prevendo, ou estimam uma vitória mais rápida, tentando dominar Israel pela força e encerrar a guerra por meio de um choque?
NN: Não, eles sabem que a estratégia do domínio rápido não é viável para lhes garantir vitória como ator assimétrico. Estão apostando em uma estratégia de longa duração, que envolve paciência. Me parece problemática a ideia de que eles podem, no longo prazo, ter uma chance razoável de sucesso, mesmo a partir de suas próprias métricas, que são também profundamente problemáticas. Não acredito que possam ter sucesso a longo prazo, mesmo de acordo com seus próprios termos.
Ds: Você acha que o Hezbollah está se preparando para um cenário no qual Israel invada a Síria?
NN: O Hezbollah estaria numa posição muito frágil se dependesse estrategicamente do Assad para qualquer coisa, e eles sabem disso. O Hezbollah confia em uma única coisa: seus combatentes, seus membros e seus aliados—os verdadeiros fiéis. Para além disso, há apoiadores nos vilarejos e no ecossistema libanês de forma mais ampla, assim como há a República Islâmica do Irã, os hutis e as milícias xiitas no Iraque e na Síria.
Ds: Se a escalada militar parece estar no horizonte dos dois lados, como se dará a transição da zona cinzenta em que estamos agora para uma guerra aberta? Os israelenses invadiriam o sul do Líbano por terra ou empregariam ataques aéreos intensos e generalizados? Outra possibilidade seria um ataque em massa de Israel calibrado para provocar uma invasão do norte de Israel pelo Hezbollah. Também há rumores (ou propagandas) do lado israelense de que eles acompanham a localização de Nasrallah em tempo real. Se ele fosse assassinado, isso poderia desencadear uma guerra aberta?
NN: É impossível saber como isso se daria. A ameaça a Nasrallah é uma questão à parte, mas duvido seriamente que, depois de quarenta anos, conseguiriam pegá-lo. Eles não conseguiram pegar Sinwar, nem Mohhamed Deif nem vários outros.
Mas se deixarmos de lado as especulações, a questão fundamental continua sendo o fato de o Hezbollah ser forte o suficiente para representar uma ameaça existencial ao Estado de Israel. É muito difícil visualizar uma abordagem diplomática que leve a um acordo, dado o caminho bastante claro de escalada do conflito. Durante alguns meses, pensei que os israelenses e os estadunidenses poderiam livrar a cara aceitando um acordo no sul do Líbano, com o Hezbollah reposicionando algumas das unidades da força de elite Radwan, mas isso já não me parece mais possível. A cada rodada da história, a possibilidade de esfriamento foi adiada. Houve uma chance de esfriamento há vinte e quatro anos e houve novamente uma chance de tornar o Hezbollah irrelevante por meio da normalização das relações dos Estados Unidos com o Irã, mas agora estamos caminhando para um conflito mais profundo e não vejo como os atores envolvidos poderiam evitar esse desdobramento.
jg: Você pode falar mais sobre o sul do Líbano? Essa é uma região que esteve sob ocupação militar israelense por quase vinte anos, com Israel se retirando em 2000 para a fronteira reconhecida internacionalmente. Qual foi o significado político dessa retirada? E qual é a cultura política dessa região em relação ao Hezbollah?
NN: Acabei de visitar o sul do Líbano com amigos e familiares e devo dizer que nunca imaginei que pessoas que historicamente se opunham ao Hezbollah, que tiveram membros da família mortos por islamistas afiliados ao Hezbollah, estariam agora dispostas a lutar ao seu lado. Mas, em tempos como esses, não é algo tão extraordinário assim. Pessoalmente, fui surpreendido—nunca esperei ver garçons que odiavam o Hezbollah comprando armas e se preparando para defender seus vilarejos. Mas esse grau de união não é uma grande surpresa, digamos, para os serviços de inteligência de vários países. Talvez seja o motivo pelo qual tantos deles estão recomendando que Israel não prossiga com a escalada.
Devemos considerar também a pressão exercida sobre o Hezbollah por essas mesmas áreas para pôr fim ao conflito. Isso é algo muito importante para a outra grande potência no sul do Líbano, o movimento xiita Haraket Amal. A esta altura, parece bastante fantasioso imaginar Israel repetindo sua estratégia de 1982, que consistiu em fomentar as divisões políticas, históricas e religiosas do povo libanês—financiar uma guerra civil, em essência.
Ds: Qual é o objetivo final do Hezbollah? Há muito tempo ouvimos Nasrallah falar sobre a “grande guerra”. O que é a grande guerra? O Hezbollah está se preparando para ela neste momento?
NN: Temos visto teorizações bastante claras sobre como isso terminará, de ambos os lados. Atores israelenses poderosos fizeram declarações públicas sobre o significado da vitória: o povo de Gaza morto ou expulso para tendas no Sinai ou qualquer outro lugar. A transferência da grande maioria dos palestinos na Cisjordânia e talvez até israelenses palestinos para outro local. Esse é um “objetivo final” que conhecemos.
O Hezbollah, por sua vez, articula amplamente a visão de que Israel não será capaz de resistir a uma “grande guerra”—uma guerra aberta com centenas de milhares de combatentes—, presumindo que muitos israelenses com dois passaportes ou caminhos fáceis para a emigração deixariam o país em vez de lutar. A “grande guerra” criaria um momento cataclísmico para Israel.
Deixemos de lado os aspectos fantasiosos desses dois pontos de vista e tentemos analisar a questão de uma perspectiva mais realista. Não está claro se um número expressivo de pessoas, ou pelo menos suficiente para criar uma espécie de ponto de inflexão, deixaria Israel de repente. De qualquer modo, um grande segmento de israelenses poderia entrar para o serviço militar para lutar pela terra que acreditam ser sua. Um aspecto fundamental da estratégia do Hezbollah articulado por Nasrallah repetidas vezes é algo como: “No Líbano, lidamos com a falta de eletricidade e de água por décadas: temos condições de suportar o sofrimento. Os israelenses não são capazes disso. Será fatal para eles”. Penso que isso é tão fantasioso quanto a visão extremista de Israel sobre a sua vitória.
jg: Você pintou um quadro que mostra anos de tensões acumuladas de tal maneira que a escalada do conflito parece basicamente inevitável. E o aspecto fundamental por trás dessa inevitabilidade é a força militar do Hezbollah. Os analistas falharam em assimilar o equilíbrio militar como um fator determinante? O que as pessoas não estão entendendo sobre esse conflito?
NN: Eu não diria que é algo inevitável. O Estado israelense é dominante do ponto de vista militar há muitas décadas. No contexto de reação de seus oponentes, o Hezbollah se tornou a facção mais bem-sucedida até o momento, e o Irã o apoiou com muita força, de modo que, no presente, Israel não pode agir de acordo com sua doutrina de dissuasão em relação ao Hezbollah e ao Irã. Israel não pode atacar seus oponentes de maneira desproporcional sem ser alvo de um grande contra-ataque. Isso é algo sem precedentes na história do Estado de Israel, pelo menos desde a sua fundação.
Os atores de todos os lados de um conflito armado podem afirmar que cada decisão tomada por eles é uma aposta, de modo que, se algo der errado e uma grande guerra for iniciada, isso terá sido um erro. Mas esse tipo de raciocínio na verdade minimiza a responsabilidade jurídica, moral e estratégica exigida pelas circunstâncias. Na minha opinião, não há equívocos ou erros de cálculo. A verdade é a seguinte: ambos os lados estão dispostos a arriscar uma escalada, e os atores relevantes aqui são os atores militares. Os atores militares é que estão no controle. A destruição de Gaza por Israel é algo muito bem calculado. Eles são bons nisso, assim como o Hezbollah, assim como o Irã—o conflito sem precedentes de 13 de abril dá a medida de como a coordenação desses atores pode minimizar os danos. O maior esforço de interceptação de mísseis da história moderna se encerrou com apenas alguns feridos. Isso deixa claro que qualquer menção a “erros de cálculo”, a “tropeços que levaram à guerra” e outras metáforas desse tipo é equivocada.
Tradução: Pedro Davoglio
Arquivado em