Como parte da proposta de transformar a Colômbia em uma das lideranças globais da transição verde, o presidente Gustavo Petro anunciou, em 2023, que o país deixaria de assinar contratos para a exploração de petróleo e gás natural. Embora tenha sido celebrado por ambientalistas, o anúncio encontrou ceticismo em meio a diversos atores políticos, que apontaram para a dependência da Colômbia de petróleo para atender suas necessidades energéticas internas e garantir receitas para o governo. Houve também preocupação em relação aos empregados da Ecopetrol, a maior companhia petrolífera do país.
A Unión Sindical Obrera (USO, União Sindical Operária), que representa os trabalhadores da Ecopetrol, tenha dado forte apoio à campanha presidencial de Petro, agora se depara com novas tensões com o governo. A Ecopetrol, que tem como acionista majoritário o Estado, é um ativo chave para a economia colombiana, e a USO é uma das mais antigas e mais perseguidas centrais sindicais do país: quase 900 de seus membros foram vítimas de homicídio, ameaças e exílio ao longo das últimas décadas.
Hoje, a USO se encontra em uma conjuntura crítica, com a pressão pela descarbonização desde dentro de uma empresa que encabeçou a produção de combustíveis fósseis na Colômbia. Petro deseja transformar a Ecopetrol em uma liderança em tecnologias limpas. Nos dois primeiros anos de sua administração, o debate central entre o governo nacional e os 25 mil trabalhadores empregados na indústria de gás natural e petróleo tem se articulado em torno de como essa transição ocorrerá.
A decisão recente do Conselho de Administração da Ecopetrol de suspender investimentos na ordem de US$ 3,6 bilhões na Bacia Permiana – um campo que cruza o Texas e o Novo México – pôs à prova a relação entre o governo e os trabalhadores do setor. A Ecopetrol estudou o local de perfuração (fracking) por mais de um ano e meio, e o negócio visava gerar mais lucros para a empresa, estimulando um aumento estimado em 9% na produção de barris. Mas o conselho, alinhado a Petro, rejeitou o projeto, citando preocupações ambientais e econômicas. A decisão acendeu controvérsias entre os trabalhadores do setor de combustíveis fósseis, para quem a descarbonização não deveria demandar a paralisação de novos projetos que aumentariam a produção de petróleo cru.
Para tratar do tema, a Phenomenal World entrevistou César Loza, presidente da USO, para discutir a história do sindicalismo no setor de combustíveis fósseis, os planos do governo Petro de promover a descarbonização da Ecopetrol e a perspectiva de uma transição verde justa.
Uma entrevista com César Loza, presidente da USO
camilo garzón: O que a chegada de Petro ao poder significou para a Ecopetrol?
césar loza: Concordamos com o governo em relação à necessidade de uma transição energética, de tal modo que se chegue a uma combinação de fontes limpas de energia e se diminua gradativamente nossa dependência de combustíveis fósseis. Mas também temos fortes discordâncias. Para uma transição energética sustentável, acreditamos na necessidade de três elementos fundamentais. O primeiro é vontade política. Vários atores precisam ter vontade política para que uma transição energética ocorra. Hoje, os trabalhadores, as comunidades locais, os sindicatos, as empresas, os governos locais e o governo nacional parecem compartilhar esse desejo, então há poucas discordâncias aqui. O segundo elemento tem a ver com nossas fontes de energia: eólica, solar e geotérmica. Também estamos alinhados nesse ponto, pois a Colômbia tem forte potencial para desenvolver esses setores. No entanto, há um terceiro elemento sem o qual uma transição energética não pode acontecer, que são os recursos econômicos. Já afirmamos isso anteriormente: o financiamento exigido para a transição energética deve vir do próprio setor de gás natural e petróleo. Infelizmente, o governo não entendeu isso. O presidente Petro fala constantemente de uma transição energética, mas de onde virá o dinheiro? Qualquer governo, seja de esquerda ou de direita, que proponha uma reforma tributária – como o governo fez em seu primeiro ano – a fim de aumentar as receitas para obter recursos para uma transição energética corre o risco de enfrentar insatisfação popular. Ela não vai acontecer.1
Dissemos ao presidente da República, ao ministro da Fazenda, ao presidente da Agencia Nacional de Hidrocarburos (Agência Nacional de Hidrocarbonetos) e ao presidente da Ecopetrol que apoiamos uma curva básica, com rigor técnico, para um teto de produção de barris – por exemplo, um teto de 750 mil ou 800 mil barris por dia. Tudo o que for produzido acima desse teto deve ser investido na transição energética. Esse compromisso claramente requer uma indústria forte e robusta. Em vez disso, porém, notamos o desinvestimento em diferentes campos de petróleo – nisso estamos em evidente e profundo desacordo com o governo.
Um exemplo é a decisão da Ecopetrol de cortar o orçamento de investimentos deste ano, de US$ 4,5 bilhões para US$ 2,5 bilhões. A decisão terá impacto tanto na exploração quanto na produção de petróleo e de gás natural. Sem falar do arcabouço fiscal de médio prazo projetado para 2026, dada a expectativa de um crescimento da produção da companhia para até 850 mil barris de petróleo cru por dia. Na toada atual, porém, é pouco provável que essa meta seja atingida.
Em uma entrevista em 4 de março, o ministro de Minas e Energia, Andrés Camacho, afirmou que atingir uma produção diária de 1 milhão de barris de petróleo era um grande desafio para o país. Depois, o ministro da Fazenda ecoou esse sentimento. Recentemente, a Agência Nacional de Hidrocarbonetos formou um comitê interinstitucional com a meta de reativar o setor de petróleo e gás natural. A USO pediu para ser incluída nesse comitê, pois ajudar a formatar a política relativa ao desenvolvimento do setor é algo que nos beneficia. Mas há interesses conflitantes. Um exemplo-chave: o Ministério do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável se opõe ao fortalecimento da capacidade produtiva do setor.
cg: Para contextualizar um pouco: qual tem sido o papel histórico da USO na Ecopetrol?
cl: A USO foi fundada clandestinamente em Barrancabermeja em 10 de fevereiro de 1923: a organização celebrou seu centenário no ano passado. O sindicato serviu para defender os direitos dos trabalhadores empregados pela Tropical Oil Company [Companhia Tropical de Petróleo], uma multinacional estadunidense responsável por explorar o poço Infantas 2, descoberto em El Centro, no departamento de Santander. O poço está em operação desde 1918 e é o berço da indústria petrolífera colombiana.
No início, a USO era conhecida por defender os direitos dos trabalhadores e dignificar suas condições com o lema dos “três oitos” (oito horas de trabalho, oito horas de estudo e oito horas de descanso), inspirado na revolta de Haymarket em Chicago. O sindicato embarcou em uma agenda política mais abrangente quando liderou a chamada “greve patriótica” em Barrancabermeja, em 1948, exigindo a melhoria nas condições de trabalho, a nacionalização do petróleo e que o governo conservador então no poder barrasse a concessão de Mares, uma iniciativa que datava de 1909, quando o presidente Rafael Reyes concedeu a Roberto de Mares o direito de explorar petróleo nas florestas de Carare-Opón, no vale do Médio Magdalena.
Como resultado dessa greve, o governo conservador limitou a Tropical Oil Company a explorar petróleo na região até 25 de agosto de 1951; além disso, concordou que a concessão de Mares voltaria ao Estado após essa data. Isso levou à fundação da Empresa Colombiana de Petróleos (Ecopetrol), que se constituiu em agosto de 1951. É por isso que dizemos que, de certo modo, a USO foi responsável pela criação da Ecopetrol. Desde então, a USO tem defendido o petróleo como propriedade pública dos colombianos. Embora o sindicato fosse inicialmente de base, ligado a uma empresa específica, há cerca de 25 anos fizemos a transição para um sindicato do setor. Hoje, representamos trabalhadores de todo o setor de combustíveis fósseis na Colômbia, não apenas da Ecopetrol.
Somos um sindicato de esquerda que defende ideais como os de propriedade pública, ativos públicos e direitos dos trabalhadores. Porém, também somos pragmáticos: nossos trabalhadores querem um sindicato que defenda seus direitos, sua empresa, sua fonte de emprego e seu acordo de negociação coletiva. É claro que o alinhamento do sindicato com governos progressistas e de esquerda é mais fácil, mas as circunstâncias políticas mudam. Apesar de [Juan Manuel] Santos ter sido um candidato da direita, por exemplo, apoiamos sua reeleição em razão do processo de negociação da paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Hoje, a estrutura organizacional do sindicato consiste em um Conselho Nacional de Diretores, com 20 membros e o presidente. Existem 28 conselhos regionais em todo o país, e o corpo deliberativo mais elevado do sindicato é a Assembleia Nacional de Delegados. No setor de combustíveis fósseis, somos cerca de 25 mil trabalhadores, e cerca de 16 mil deles são empregados pela Ecopetrol, ainda que isso dependa dos ciclos de trabalho. O número de membros da USO no grupo Ecopetrol é de cerca de 9 mil trabalhadores, e os demais são trabalhadores temporários empregados por terceirizadas e outros operadores. Há outros sindicatos menores, mas somos o mais militante, que lidera a maioria das mobilizações e se envolve mais na ação política.2
cg: Qual é o papel da Ecopetrol na economia colombiana?
cl: Depois dos impostos e tributos, a Ecopetrol é a principal fonte de receitas da Colômbia. Em 2023, ela contribuiu com 58 trilhões de pesos colombianos para o país; isso equivale a 4% do PIB nacional e corresponde à soma das três últimas reformas tributárias nos últimos cinco anos. Na mais recente delas, aprovada pelo Congresso em 2022, o governo tentou fazer as empresas de mineração e petróleo pagar mais impostos, mas neste ano a Corte Constitucional revogou essa provisão, que teria garantido ao governo quase 7 trilhões de pesos em 2023. Agora, o governo precisa reembolsar o dinheiro já recolhido.
As contribuições da Ecopetrol sempre foram significativas para as finanças públicas colombianas. Se a Ecopetrol fosse privatizada, a empresa pagaria royalties e impostos, mas não geraria nada para o governo em termos de lucros, e essa diferença só poderia ser coberta por meio de reformas tributárias que taxassem ganhos privados. É por isso que importa defender contribuições que dependem significativamente das receitas e lucros da Ecopetrol.
Outro fator importante a ser levado em consideração é o preço internacional do petróleo cru: se estiver elevado, os rendimentos da nação tendem a ser melhores. Por exemplo, os preços se mantiveram abaixo de US$ 80 por barril nos últimos três ou quatro anos. Isso após a crise da Covid-19, na qual os preços desabaram a níveis negativos. Algumas empresas chegaram a pagar US$ 20 por barril para armazenar petróleo cru em navios, pois não havia transporte ou distribuição. A queda de preços mais recente havia sido em 2014, quando ocorreu uma crise global dos preços internacionais. A crise teve um impacto negativo para os trabalhadores do setor em todo o mundo, mas especialmente na Colômbia, onde os preços caíram dramaticamente, de US$ 118 por barril de petróleo tipo brent para US$ 37 em 2015.
cg: Você pode comentar sobre a relação da USO com governos anteriores?
cl: Embora o movimento trabalhista esteja constantemente em luta, certos governos foram mais prejudiciais aos sindicatos. As duas administrações de direita de Álvaro Uribe (2002-2010) foram particularmente contraprodutivas para o movimento sindical na Colômbia, em especial para a USO. Em 2003, quando Uribe estava no poder, entramos em greve. À época, o presidente da Ecopetrol era Isaac Yanovich, um reacionário adversário dos trabalhadores que odiava o sindicato. A USO era contra a privatização da Ecopetrol. Havia uma tendência de privatizar empresas públicas colombianas, como a Telecom, a antiga empresa estatal de comunicações, e o sindicato tinha motivos para crer que estavam planejando fazer o mesmo com a Ecopetrol. No fim, a greve teve um preço alto para o sindicato, resultando na demissão de 253 funcionários.
Além das greves, a Ecopetrol sofreu dois grandes golpes sob a presidência de Uribe. O primeiro foi o decreto n. 1.760, de 2003, que tirou dela sua preeminência nos contratos de petróleo, nas parcerias e na gestão dos royalties. Essas responsabilidades foram transferidas para a Agência Nacional de Hidrocarbonetos. O outro grande golpe veio com a Lei n. 1.1118, de 2006, que transformou a Ecopetrol em uma corporação e a autorizou a vender até 20% de suas ações. Esse decreto transformou a natureza econômica da Ecopetrol, fazendo dela uma empresa de capital misto. Seu proprietário majoritário era o Estado (88%), mas também tinha acionistas privados. Ademais, houve reformas trabalhistas e previdenciárias prejudiciais ao movimento trabalhista. Tudo isso fez da administração Uribe, para o movimento sindical, uma das mais conflituosas. À parte essas tensões, a história do sindicato tem sido marcada por violência e repressão.
cg: Você poderia falar mais a respeito dessa violência e repressão?
cl: Nosso sindicato foi uma vítima da guerra suja na Colômbia. Entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 2000, mais de cem líderes e ativistas da USO foram assassinados. A violência contra a USO é parte de uma tendência mais ampla de violência contra sindicatos em meio ao conflito armado. Os sindicatos eram associados às guerrilhas de esquerda e vistos como ameaça aos interesses empresariais, o que os tornou alvo de perseguição dos grupos paramilitares. Foram registrados 1.858 homicídios de membros de sindicatos entre 1986 e 2010, segundo dados do Observatório de Direitos Humanos da Presidência. A Comissão da Verdade documentou 865 atos que vitimaram membros da USO, principalmente nesse período. Houve quem admitisse ter cometido violência física contra líderes sindicais, e mesmo dentro da Ecopetrol alguns usaram violência contra o sindicato.
Em um caso infame, Aury Sará Marrugo, presidente da USO em Cartagena, foi assassinado em 5 de dezembro de 2001. Salvatore Mancuso, um dos principais ex-comandantes dos grupos paramilitares colombianos, mais tarde admitiu que líderes sindicais como Marrugo foram sequestrados e torturados. Depoimentos dados sob a Lei de Justiça e Paz (um instrumento legal instituído no governo de Álvaro Uribe para dar apoio à desmobilização de grupos paramilitares) também revelou que um oficial de segurança da Ecopetrol tinha conexões com os paramilitares. Consequentemente, muitos líderes sindicais evitavam se pronunciar.
cg: À parte os desentendimentos que a USO tem tido com o governo, como é a relação do sindicato com o Conselho de Administração da Ecopetrol e seu presidente, Ricardo Roa?
cl: Temos uma boa relação com o Conselho da Ecopetrol. Eles permitiram nossa participação em reuniões realizadas em Barrancabermeja e Bogotá com a vice-presidência de talento organizacional, mas algumas decisões não dependem do conselho, e sim do governo nacional. Quero deixar isso claro porque, embora a relação entre a USO e a Ecopetrol seja boa, algumas decisões são tomadas no nível do governo nacional.
Um ponto específico de desentendimento com eles é que defendemos uma transição verde sem interrupção na produção de petróleo e gás natural. Precisamos continuar produzindo petróleo e gás natural. Não só porque esse é o ramo tradicional da Ecopetrol, mas também porque isso garante o suprimento nacional de energia. Interromper a exploração de novas reservas é pôr em perigo a Ecopetrol e a economia nacional, dado que nossas reservas de combustíveis fósseis vão durar apenas mais sete anos. Atualmente, produzimos 758 mil barris por dia, incluindo a produção obtida por fracking na Bacia Permiana, nos Estados Unidos. Esse contrato dura até 2025. Temos 580 mil barris de petróleo cru, se descontarmos o gás natural. Se tirarmos os 64 mil barris obtidos da Bacia Permiana, então até o fim do próximo ano teremos uma produção de 516 mil barris de petróleo cru. Se aplicarmos um fator de declínio de 10%, em dois anos teremos 374 mil barris. Em outras palavras, vamos precisar importar petróleo cru para abastecer nossas próprias refinarias, com o problema adicional de que não teremos o que exportar. Essa questão nos preocupa como sindicato e deveria preocupar todo o país. Precisamos prosseguir com a exploração de petróleo e gás natural, seja como for.
Se não houver nenhuma nova descoberta nos próximos dois anos, não teremos petróleo cru suficiente para abastecer as duas maiores refinarias do país, em Cartagena e Barrancabermeja. Hoje, por razões puramente técnicas, importamos barris de petróleo cru para dar conta da demanda da refinaria de Cartagena, mas também exportamos mais de 300 mil barris de petróleo cru.
Não há dúvidas de que a Ecopetrol exerce o papel mais importante no setor de combustíveis fósseis na Colômbia. A empresa garante a autossuficiência energética e refina 440 mil barris por dia, transporta mais de 1,1 milhão de barris de petróleo cru e derivados, produz sete em cada dez barris e gera 80% do gás natural do país. Nesse sentido, investimentos em negócios tradicionais não podem ser suspensos, não apenas por motivos de suprimento de energia, mas também pelas receitas que eles fornecem à nação.
cg: A USO também se preocupa com a criação de empregos. Que propostas ela tem para a Ecopetrol a fim de garantir que a transição energética da empresa não leve à perda de postos de trabalho?
cl: Na assembleia da Ecopetrol realizada recentemente, o governo nacional e o Conselho de Administração aprovaram uma modificação no estatuto da companhia para permitir que ela seja considerada uma empresa de energia, e não apenas de petróleo e gás natural. É importante observar que grandes empresas em todo o mundo estão adotando a mesma tática, e pensamos que é uma boa ideia. A Equinor, a empresa estatal da Noruega, passou por transformação administrativa em 2018, tornando-se uma empresa geradora de energia.
Embora uma estratégia similar possa levar a Ecopetrol a liderar a transição energética na Colômbia, ainda são necessários recursos e mudanças regulatórias significativos. No momento, a companhia petrolífera não pode vender energia limpa; pode apenas gerá-la para consumo próprio. Em termos gerais, acreditamos que a transição energética na Colômbia deve ser conduzida pela Ecopetrol, a fim de que permaneça sob controle estatal. Caso contrário, o negócio será tomado por companhias privadas ou multinacionais, que vão contribuir para elevar os preços da energia.
Há, ainda, a situação trabalhista. Os empregos gerados pelo setor de petróleo e gás natural são de alta qualidade, graças a esforços da USO e de seus trabalhadores. Em contrapartida, empregos gerados por fontes alternativas de energia, como energia solar, tendem a oferecer salários baixos e são em menor número do que o exigido pelos principais centros de geração de energia. Nesse sentido, a qualidade do emprego é diferente, e precisamos garantir dignidade e proteção também para os empregos na energia limpa. Isso poderia ser feito na Ecopetrol, por ser uma empresa com um histórico de garantias trabalhistas para seus empregados.
cg: Como vocês se enxergam em relação ao movimento de trabalhadores do setor de petróleo em âmbito internacional, como os sindicatos de empresas como a Petrobras e a Pemex?
cl: O governo Lula, mesmo sendo de esquerda, não defendeu a interrupção da produção de petróleo e gás natural no Brasil. Ao contrário, o Brasil está incentivando cada vez mais a exploração em alto-mar, com a meta de atingir 6 milhões de barris. Isso não quer dizer que não esteja alinhado à transição verde, e sim que está trabalhando simultaneamente nas duas frentes. Embora o governo tenha um compromisso com a transição verde, não há risco aos empregos no setor de petróleo porque a exploração dos recursos continua.
Aqui, por outro lado, há a ideia de que precisamos parar de depender de combustíveis fósseis o quanto antes. Isso não vai acontecer, por razões técnicas e socioeconômicas. O que vai acontecer com uma região como o vale do Médio Magdalena, que tem uma dependência histórica do setor de petróleo e é um centro de produção, exploração, refino e transporte? Precisamos de uma transformação social que possibilite ao povo contar não apenas com o petróleo, mas também com outras oportunidades econômicas na região. No entanto, isso não pode ser feito do dia para a noite.
cg: Há um debate hoje na Colômbia a respeito dos subsídios para a gasolina e o diesel. O governo Petro, seguindo sua política de desestimular o uso de combustíveis fósseis, decidiu retirar parte desses subsídios, o que levou a um aumento nos preços da gasolina e, agora, do diesel. Os sindicatos do setor de transportes ficaram muito contrariados com essa decisão. Qual é a opinião da USO a respeito dos subsídios?
cl: Desde agosto de 2022, o presidente Petro buscou desmantelar o chamado Fundo de Estabilização do Preço dos Combustíveis, criado em 2007 com o propósito de evitar flutuações. O objetivo dessa criação era abastecer o fundo por meio da cobrança de preços maiores quando o valor internacional do petróleo estivesse baixo, e transformar o excedente em subsídio à gasolina quando estivesse alto. No entanto, desde sua criação, o fundo teve déficit, e o Estado precisou subsidiá-lo. Petro decidiu retirar esse incentivo gradativamente, começando pela gasolina, e agora anunciou que o mesmo vai se aplicar ao diesel. Desde julho de 2022, o preço de um galão [3,78 litros] de gasolina subiu de 9.046 para 14.564 pesos colombianos, um aumento de 61% em termos nominais e de 40% em preços constantes (ajustados pela inflação).
Na Colômbia, a estrutura de preços dos combustíveis fósseis é tal que 35% é composto por tributos. Outro fator que contribui para os níveis elevados é o combustível comprado do Golfo do México, um preço de referência internacional que aplicamos aqui. É por isso que dizem que o governo subsidia cada galão de gasolina com um tanto de dinheiro, porque no Golfo do México o galão de gasolina é mais caro. O governo Petro agora aplicou uma política de liberalização de preços para alinhar os nossos aos do Golfo do México. Fizeram isso com a gasolina e vão fazer o mesmo com o diesel.
Recentemente, o ministro da Fazenda disse que o aumento no preço do diesel seria de 6 mil pesos: 2 mil neste ano e 4 mil no próximo, em duas levas. Isso certamente vai levar a uma agitação social: transportadoras têm ameaçado parar a produção e já começaram a agir nesse sentido.
Nós da USO gostaríamos que houvesse maior rigor técnico e acadêmico para propor uma nova estrutura de preços, em que menos impostos seriam pagos e os combustíveis seriam mais baratos. Outra opção é que a Ecopetrol mantenha uma margem de lucro pelo refino do petróleo cru, depois de ele ser processado e entregue nos pontos de abastecimento. Porém, isso não tem sido possível por um motivo muito simples: se a estrutura de preços mudar, e os impostos forem reduzidos, então as receitas para as regiões serão menores. Há uma questão estrutural aqui, enraizada em como os preços dos combustíveis são determinados.
Tudo isso deveria fazer parte do debate público. As pessoas já estão questionando: se 20% da gasolina consumida no país é importada, mas todo o diesel é produzido internamente usando nosso próprio petróleo cru, por que os preços tanto da gasolina como do diesel deveriam estar amarrados aos do Golfo do México, se a maior parte da produção é local? Esse tem sido um debate de longa data no país. Do ponto de vista do sindicato, a estrutura de preços no país deveria mudar sem ter como resultado nem perdas à Ecopetrol nem a redução das receitas tributárias.
cg: Para encerrar, como você vê o futuro da exploração do petróleo e do gás natural?
cl: Podemos olhar para o exemplo do projeto Komodo 1, que envolve a perfuração de um poço em alto-mar a 40 quilômetros de Santa Marta. O objetivo desse projeto é identificar uma região produtora de gás natural com reservas que atendam às necessidades da Colômbia para os próximos anos. No entanto, o Ministério do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável suspendeu temporariamente o projeto, após solicitar à autoridade ambiental que aguardasse mais informações sobre seus impactos. Essa situação é contraproducente para a Ecopetrol, e para o suprimento de energia que precisamos garantir. Há um pedido no gabinete do ministério para converter mais de 80 poços estratigráficos em poços de produção, mas não houve avanço nesse pedido.
Estamos convocando os órgãos governamentais a coordenar e fortalecer a exploração na Colômbia, incluindo os 300 contratos que estão em desenvolvimento no país. Mencionamos a saída da Ecopetrol da negociação referente à Bacia Permiana nos Estados Unidos, que envolvia comprar da Oxy uma participação de US$ 3,6 bilhões nos ativos da CrownRock. Estimava-se que o negócio aumentaria a produção da empresa em 9%, mas o Conselho de Administração da Ecopetrol o rejeitou, citando uma preocupação fiscal, bem como a oposição do governo ao fracking. Não estamos dizendo que a decisão deveria ter sido outra, mas sugerimos ao conselho que os US$ 3,6 bilhões que não foram gastos deveriam ser repatriados e investidos no país.
Não é razoável manter todos os projetos de expansão da produção em compasso de espera, especialmente na falta de uma estratégia definida para o crescimento econômico da empresa. E, apesar de sucessivos pedidos, ainda não conseguimos obter um encontro sobre esse assunto com o presidente Petro.
A Corte Constitucional revogou uma provisão da reforma tributária de 2022 que aumentava os tributos cobrados de empresas de mineração e petróleo.
↩A maioria dos demais sindicatos surgiu a partir de 2003. Em decorrência de uma decisão judicial, não era mais possível negociar com a Ecopetrol, e os trabalhadores perderam a estabilidade no emprego, que era garantida por um acordo coletivo. Consequentemente, eles começaram a fundar novos sindicatos para obter proteções sindicais.
↩
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